A aura da Casa Branca envolve Biden

by @prflavionunes

Um grupo de apoiadores de Joe Biden comemora resultados da eleição em 6 de novembro em Washington.
Um grupo de apoiadores de Joe Biden comemora resultados da eleição em 6 de novembro em Washington.MICHAEL REYNOLDS / EFE

À medida que a apuração caminhava para o final, Joe Biden, o provável vencedor das eleições nos Estados Unidos, se revestia de uma aura institucional que de forma alguma lhe é estranha, porque, ao contrário de Donald Trump, ele é um patrício da política: oito anos como vice-presidente de Barack Obama e 36 anos como senador por Delaware atestam isso. Desde a noite da eleição, quando, apesar de a apuração favorecer Trump em muitos Estados, ele não se recusou a comparecer ante seus apoiadores. Deixa-se ver com uma coreografia de passos muito comedidos por Wilmington, onde reside, como presidente in pectore, entre chamados à calma e à legalidade do processo de escrutínio; envolto em máscara reforçada ―está prestes a completar 78 anos― e, por fim, após quase 72 horas de espera, com uma mensagem institucional à nação, em aparição marcada para a noite desta sexta-feira, hora local.

Wilmington (Delaware), a cidade que forjou Biden à sua imagem e semelhança a ponto de patentear o que se conhece como o ‘Delaware Way’ ―uma forma próxima e pragmática de fazer política―, começou esta sexta-feira a suspirar de alívio, mas com o gosto amargo do lodo com o qual o não saber perder de Trump enlameou a vitória. Em frente ao pódio montado no centro de convenções, de onde o democrata se dirigiu a seus seguidores depois da meia-noite de quarta e quinta-feira, estavam algumas poucas dezenas de fiéis, como o crente que faz vigília diante de um altar, à espera da proclamação oficial. As ruas do centro da cidade, onde nesta quinta-feira pôde ser visto brevemente com sua companheira de chapa, Kamala Harris, possível futura vice-presidenta, foram vasculhadas pelo serviço secreto, cuja presença em torno da casa de Biden, nos arredores da cidade, e no centro de convenções que se tornou seu quartel-general, é cada vez mais evidente.

Embora Biden já tivesse escolta oficial desde março, quando foi confirmada sua nomeação como candidato democrata, a diferença entre o número de policiais que o cercaram em sua última saída pública ―até um centro juvenil afro-americano, nesta terça-feira, quando a votação ainda não havia sido encerrada― e a mobilização desta quinta-feira foi impressionante. A apuração pode ainda estar indefinida, mas a segurança, não. O aumento do som das sirenes no centro da cidade é mais um sinal da iminência, assim como o reforço das medidas de vigilância do espaço aéreo, com pelo menos dois helicópteros. Oficialmente, o serviço secreto não se pronunciou sobre o assunto, alegando razões de segurança operacional.

Nesta cidade de 70.000 habitantes onde várias instalações levam seu nome ―a estação de trens, uma piscina, talvez como lembrança de seus anos como salva-vidas―, 57% dos moradores são afro-americanos, e a diferenças entre eles e o restante da população é gritante. Novos prédios de escritórios ocultam abismos de pobreza ao virar da esquina; as calçadas do distrito financeiro, tão generosas quanto absurdas porque ninguém passa por elas, se transformam em passagens estreitas em bairros negros como o de Kay Smith, auxiliar de saúde afro-americana e fiel seguidora de Biden. Wilmington, disse o político em julho, após a onda de protestos que se seguiram ao assassinato de um afro-americano por um policial em Minneapolis, “é o lugar ideal para escrever a luta contra a desigualdade econômica racial”, um propósito que figura em seu programa de Governo. Mas Smith mal percebe esse plano, uma injeção de 30 bilhões de dólares (161 bilhões de reais) para empoderar as minorias do país, talvez porque em Wilmington não tenham consciência disso, ou pela dificuldade estrutural da tarefa. “Não sei se ele vai conseguir levar adiante esse programa de ajuda, vai encontrar muitas resistências. Mas também, agora, a prioridade é parar a pandemia, essa é a primeira coisa que deve fazer. Vejo pessoas morrendo todos os dias e Trump é quem tem permitido tudo isso.”

A pandemia é questão muito importante para Biden. Tanto que seus eleitores foram às urnas movidos pela crise do coronavírus, enquanto os de Trump foram pressionados pela economia, apontaram vários meios de comunicação dos EUA na quarta-feira. É por isso que ele começou seu discurso na quinta-feira recordando as vítimas e com uma mensagem de condolências a seus familiares. “Acabei de realizar uma reunião sobre a situação da crise de saúde causada pelo coronavírus, essa doença terrível que tirou mais de 234.000 compatriotas de nós”, disse ele, outra diferença palpável em relação ao negacionismo de Trump. O candidato, que prometeu um único comando federal contra a pandemia e um plano nacional de máscara, distanciamento social, testes e rastreamento, voltou a dar negativo no teste para o vírus, informou sua equipe de campanha na quinta-feira.

A conta-gotas, mas com firmeza, o provável 46º presidente dos Estados Unidos vem desfiando nos últimos dias outras medidas imediatas de seu futuro mandato, como o anúncio, na quarta-feira, de que reintegrará os Estados Unidos ao Acordo do Clima de Paris, no mesmo dia em que a Administração Trump se retirava oficialmente do pacto. Diante dos impulsos e da improvisação do republicano, o roteiro de Biden e seus gestos públicos nos permitem pressentir um exercício do poder com calma.

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