A Imortalidade da alma é uma doutrina pagã?

by @prflavionunes

por Prof. Paulo Cristiano da Silva – qui fev 18, 12:59 am

 

É muito comum aqueles que não creem na imortalidade da alma, os chamados aniquilacionistas, alegarem que essa doutrina não é bíblica e que entrou no Cristianismo por influência da filosofia grega. Em apoio a isso, costumam citar autoridades teológicas que supostamente reconheceriam o que eles alegam. Nesta palestra de hoje, queremos demonstrar as falácias e erros de argumentação, embutidos na objeção dos apologistas da Igreja Adventista do Sétimo Dia, sobre uma suposta influência grega na doutrina da imortalidade da alma.

 

  1. O QUE É A ALMA?

Etimologicamente, deriva do termo latino animu (ou anima), que significa “o que anima”. Seria a fonte da vida de cada organismo, sendo eterna e separada do corpo. É um termo equivalente ao hebraico néphesh e ao grego psykhé e significa “ser”, “vida” ou ”criatura”.

  1. O QUE É IMORTALIDADE DA ALMA?

“A palavra grega que designa esta ideia é athanasía”. Sob a forma negativa (prefixo negativo – i), o termo exprime a noção essencialmente positiva, de vida-sem-fim, daquilo que não é submetido à morte.

  1. O QUE CRÊ A IGREJA ADVENTISTA SOBRE A IMORTALIDADE?

“Mas, depois da queda, Satanás ordenou a seus anjos que fizessem um esforço especial a fim de inculcar a crença da imortalidade inerente do homem” (Ellen White – O Grande Conflito).

“Mostramos que a base do espiritismo — a imortalidade da alma — é um dogma fundamental nos credos de quase todas as igrejas” (Uriah Smith – As Profecias de Daniel e Apocalipse, p.461).

“O espiritismo originou-se com a primeira mentira de Satanás a Eva – “É certo que não morrereis” (Gên. 3:4). Suas palavras foram o primeiro sermão sobre imortalidade da alma” (Nisto Cremos, p. 460).

“O homem não possui imortalidade inerente, própria, natural. Ele só adquirirá o toque da imortalidade, se for crente, por ocasião do arrebatamento, na primeira ressurreição, quando Cristo vier buscá-lo […] Quando criado, tinha a imortalidade sob condição, que não soube manter…” (Arnaldo B. Christianini, Subtilezas do Erro, p.162).

  1. UM TRATADO MODERNO CONDICIONALISTA

“Ela [doutrina condicionalista] foi elaborada por Edward White, um ministro Congregacional, no seu Life in Christ (1846; expandido e todo reformulado em 1875), onde pretendeu provar pelas Escrituras que a ‘Imortalidade é um privilégio peculiar dos regenerados’, e a teoria encontrou alguns adeptos entre ingleses e americanos bem como pensadores estrangeiros” (The Oxford Dictionary of the Christian Church, 1997, verbete “Imortalidade Condicional”, p. 393.)

4.1 Acusação Contra a Influência Grega na Doutrina da Imortalidade

“Que a cristandade deveria ter recuado sobre especulações pagãs e retornado aos elementos mendigos da filosofia asiática e ateniense como base de esperança, está em consonância com outras partes paralelas da história do pensamento europeu” (White, Edward. Vida de Cristo.  Capítulo VIII – Sobre a imortalidade da alma. 1875).

  1. BUSCANDO APOIO EM OSCAR CULMANN

O ser humano foi criado mortal ou imortal? – Oscar Cullmann, em sua célebre obra intitulada Immortality of the Soul or Resurrection of the Dead? The Witness of the New Testament (Imortalidade da Alma ou Ressurreição da Morte? O que diz o Novo Testamento), demonstra que essa teoria não é um conceito bíblico, mas uma reminiscência da filosofia grega” (Alberto R. Timm – Sinais dos Tempos, maio/junho de 2001. p. 30).

“Em 1956, Oscar Cullmann (Luterano) em uma conferência apresentada na Capela Andover, Universidade de Harvard, argumentou que o entendimento de Platão a respeito da imortalidade da alma, e o ensino cristão da ressurreição dos mortos são totalmente antagônicos” http://leandroquadros.com.br/debate-sobre-a-imortalidade-da-alma-parte-1.

  1. O QUE DE FATO DISSE OSCAR CULMANN?

Cullmann estava condenando o conceito bíblico, cristão e evangélico de imortalidade da alma ou condenando apenas o conceito grego de imortalidade da alma?

A discussão de Cullmann sobre a alma começa com seu desacordo com a questão do tempo que é central em sua teologia. O mundo helênico não pode conceber que a libertação pudesse resultar de um ato divino consumado na história temporal. Para eles, a libertação somente é passar dessa existência para o mundo superior: sair do ciclo temporal para o além onde o tempo não existe.

Diz Cullmann que “O Novo Testamento também conhecia evidentemente a distinção entre corpo e alma, ou melhor, entre homem interior e exterior. Porem, esta distinção não significa oposição, como se o homem interior fosse naturalmente bom e o exterior mal. Os dois são essencialmente complementares um ao outro, ambos foram criados bons por Deus. O homem interior sem o exterior não possui existência independente verdadeira. Tem necessidade do corpo […]”

“[…] Tudo o mais que pode fazer é levar, a semelhança dos mortos do Antigo Testamento, uma existência sombria esfumada no sheol, porém isto não é uma vida verdadeira. A diferença com respeito a alma grega é evidente: esta sobrevive sem o corpo e somente sem o corpo pode alcançar seu pleno desenvolvimento […]” (CULLMANN, O., Das origens do Evangelho à formação da teologia cristã. São Paulo: Fonte Editorial, 2004, p. 194 – destaque meu).

“Até certo ponto nos aproximamos da doutrina grega no sentido de que o homem interior, transformado, vivificado pelo Espirito Santo já com anterioridade (Rm 6.3 s.), continua vivendo assim transformado, ao lado de Cristo em estado de sono. Esta continuidade da vida em espirito é assinalada especialmente pelo Evangelho de João (Jo 3.36; 4.14; 6.54 e outros)” (Ibid, p. 2017).

6.1 Leia Lutero Para Entender Cullmann

Afirma Lutero: “Mas agora surge outra questão. Visto que é certo que as almas estão vivas e estão em paz, que tipo de vida ou descanso é este? […] Assim é suficiente para nós sabermos que as almas não saem de seus corpos para o perigo de torturas e punições do inferno, mas que foi preparado para elas um quarto onde elas podem dormir em paz” (Lutero – LW 4:313).

  1. A CRENÇA NA IMORTALIDADE DA ALMA TEM ORIGEM NA FILOSOFIA GREGA?

Estamos falando de qual filosofia grega, afinal?

Religião

Havia duas expressões da religião grega:

1) A religião pública – poemas de Homero, cuja antropologia era naturalista e acreditava na mortalidade do homem.

“Nos poemas homéricos (c. séc. VIII a.C.), os usos do termo psyché (ψυχή) podem ser reduzidos a basicamente dois: sombra (σκιά) e força vital, que se extingue com a morte e é aplicável somente aos humanos” (ROBINSON, T. As Origens da Alma: os Gregos e o Conceito de Alma de Homero a Aristóteles. Anna Blume Editora, São Paulo, 2010., pp. 17–18).

2) A religião dos mistérios – “Orfismo”, que fazia separação entre alma e corpo.

Filosofia

3) Filosofia pré-socrática e clássica – com ênfase na imortalidade da alma;

4) Filosofia holística e materialista – escolas filosóficas que rejeitavam a imortalidade da alma: “Epicureos – Estóicos”.

  1. PARA REJEITAR A FILOSOFIA GREGA É NECESSÁRIO REJEITAR A IMORTALIDADE DA ALMA?

Não. TERTULIANO É UM CONTRAPONTO

“No âmbito dos Padres Apologistas, Tertuliano é a expressão da tendência antifilosófica que pretendia rejeitar completamente as doutrinas dos gregos” (Reale e Antiseri).

Responde Tertuliano: “E se há os que afirmam que a alma é mortal, é porque o aprenderam dos epicureus; se há os que negam a ressurreição do corpo, é porque o tomaram de todas as escolas filosóficas reunidas; se a matéria é equiparada a Deus, é porque tal é a doutrina de Zênon; e, quando se fala deum Deus de fogo, isto se deve a Heráclito. Hereges e filósofos soem tratar dos mesmos assuntos[…]. […]Que tem a ver Atenas com Jerusalém? Ou a Academia com a Igreja? Ou os hereges com os cristãos? A nossa doutrina vem do pórtico de Salomão, que nos ensina a buscar o Senhor na simplicidade do coração. Que inventem, pois, se o quiserem, um cristianismo de tipo estóico, platônico e dialético! Quanto a nós, não temos necessidade de indagações depois da vinda de Cristo Jesus, nem de pesquisas depois do Evangelho (De Praescriptione Haereticorum, c.7).

Mas se este for o caso, elas devem precisar ser também mortais, de acordo com a condição da natureza animada; pois, embora a alma seja imortal, evidentemente, esse atributo é limitado exclusivamente a ela: não é estendido para aquilo com o qual está associada, ou seja, o corpo” (Ad Nationes – Livro 2, cap. 3).

8.1 UMA TEOLOGIA  CONDICIONALISTA NO ÉPICO SUMERIANO DE GILGAMESH

Ó Gilgamesh, foi-te dada a realeza segundo o teu destino. A vida eterna não era teu destino. Quando os deuses criaram o homem deram-lhe como atributo a Morte, mas a Vida, a Vida Eterna, essa, só ficou para eles.

  1. REFUTANDO AS FALÁCIAS ADVENTISTAS SOBRE A INFLUÊNCIA GREGA NA DOUTRINA DA IMORTALIDADE

9.1 Falácia Genética

“Mesmo que os cristãos viessem a crer na imortalidade da alma por meio da filosofia grega, isso não torna a crença inteiramente falsa. A origem da crença é irrelevante para a veracidade ou falsidade da doutrina”.

9.1.2 Exemplos de falácia Genética

“Você só acredita em Deus por que nasceu em um país cristão.”

“Ser vegetariano é errado porque isso surgiu dentro da religião Hindu”.

“Você só é trinitariano por que antes acreditava na tríade hindu: Brahma, Vishnu e Shiva”.

“O medo é a única razão para a crença em Deus”.

 

9.2 A Falácia do Apelo à Autoridade

“A citação de algumas autoridades não é prova conclusiva da veracidade do argumento”.

1– Apelar a Bultmann para desacreditar a veracidade dos milagres do Cristianismo;

2– Apelar a Lutero para afirmar a virgindade perpétua de Maria;

3– Apelar a Einstein para provar a existência de Deus;

4– Apelar para Cullmann para apoiar o ecumenismo.

9.3 Falácia das Semelhanças

“Constitui em confundir elementos semelhantes com a coisa em si”.

1 – imortalidade da alma entre gregos e cristãos;

2 – morte-ressurreição na religião da Babilônia;

3 – tríades pagãs babilônicas Nemrod-Semiramis-Tammuz e a egípcia Osiris-Ísis-Hórus hindus com a Trindade cristã;

4 – Cruzes pagãs e cruz cristã.

9.4 Diferença Entre os Conceitos

Diferença entre a imortalidade da alma grega x imortalidade da alma cristã. O fato de existir uma crença semelhante sobre a imortalidade da alma em religiões pagãs, não significa dependência de uma para com a outra.

9.4.1 A Doutrina da Ressurreição em Culturas Pagãs

Egito – com os mistérios de Osíris:  “Por mais que no passado tenhamos traçado as ideias religiosas no Egito, nunca abordamos um tempo no qual pudesse ser dito não ter existido ali uma crença na ressurreição; para todo lugar é assumido que Osíris levantou da morte” (BUDGE, Ernest Alfred Thompson Wallis. As Ideias Egípcias sobre a Vida Futura. (Egyptian Religion: Egyptian Ideas of the Future Life, 1900).Trad. Vera Maria de Carvalho. São Paulo: Madras, 2004.)

 

9.5 ERRO EM NÃO RECONHECER QUE HOUVE UMA REVELAÇÃO ORIGINAL PERDIDA

Crenças básicas judaico-cristãs podem ser encontradas em praticamente todos os povos: a crença em um Deus, em um principio cosmológico, no pecado (erros morais) em um paraíso, na esperança do além-túmulo e até em um dilúvio são elementos comuns na herança religiosa da humanidade.

9.6 ERRO EM NÃO RECONHECER QUE O NT FAZ APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS GREGOS

Logos, Hades, Arké, a expressão “Ao Deus Desconhecido”, tártaro etc.

9.7 ERRO EM NÃO RECONHECER UMA REVELAÇÃO PROGRESSIVA

A revelação doutrinária é progressiva (cf. Dt 32.2; Is 28.10). Doutrinas cristãs como a da Trindade; da personalidade do Espírito Santo; do céu e inferno; da existência dos demônios; da ressurreição dos mortos foram reveladas progressivamente.

  1. E QUANTO AO TERMO IMORTALIDADE?

1 – Imortalidade de Deus. De acordo com o apóstolo Paulo, Deus é “o único que possui imortalidade” (1Tm 6.16). Dentro do contexto dessa declaração, essa “imortalidade” refere-se àquilo que na Teologia chamamos “autoexistência”, um atributo exclusivo da Divindade. Como tal, essa propriedade jamais será compartilhada com Suas criaturas. Ser autoexistente significa que Deus é incriado, ou seja, eterno.

2 – Imortalidade da alma. Esse é o tipo de imortalidade que os homens receberam de Deus ao serem criados. Essa imortalidade reside em sua alma, que nunca deixará de existir (Mt 10.28; At 7.59; Hb 12.22, 23; Ap 6.9-11; 20.4, etc.). Nesse sentido, portanto, todos os homens são “imortais”.

3 – Imortalidade do corpo. Segundo a Bíblia, na volta de Jesus SOMENTE os crentes (vivos e mortos) receberão um corpo imortal, que não mais estará sujeito às doenças, envelhecimento e morte (Rm 8.17-23; 1Co 15.51-56; Fp 3.20, 21, etc.).

A imortalidade é um daqueles atributos comunicáveis de Deus como o amor, justiça, imaginação, razão e emoção. Neste sentido podemos falar de compartilhamento e não condicionalismo.

 

CONCLUSÃO

Portanto, o argumento adventista só surtirá efeito se, e tão somente, ele conseguir provar que:  1) essa crença é invenção exclusiva dos gregos e, 2) que a Bíblia oferece um ensino claro e direto contrário à existência da alma fora do corpo.

A imortalidade da alma ressalta de textos claros e inequívocos da Bíblia e é a crença apostólica que atravessou esses dois mil anos de Cristianismo. Renegada sim, todavia, por aqueles que se encontram à margem da ortodoxia cristã.

Cada autor é responsável pelo conteúdo do artigo.

Pr. Flávio Nunes

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