A rede de mentiras da entrevista mais famosa de Lady Di provoca um escândalo na BBC

by @prflavionunes

“A exclusiva do século.” Assim, entre a admiração e a inveja, a mídia britânica qualificou aquela que é sem dúvida uma das entrevistas mais famosas das últimas décadas. A que a princesa Diana de Gales concedeu ao jornalista Martin Bashir no programa Panorama, da BBC, em novembro de 1995, e que foi eleita em 2007 por 3.000 britânicos como “a mais memorável” da história da emissora pública. Uma conversa em que a princesa, separada havia três anos do príncipe Charles, expunha seus medos, fragilidades e necessidade de ser ouvida. Nela, e perante mais de 23 milhões de espectadores, falou das infidelidades de ambos, questionou a capacidades do seu ainda marido e deixou frases memoráveis como “Não quero piedade, tenho mais dignidade que tudo isso” e, claro, “Éramos três neste matrimônio. Estava um pouco superpovoado”. O divórcio foi imediato.

Exatamente 25 anos depois, tudo aquilo voou pelos ares e a credibilidade do Panorama, de Bashir e da própria BBC está em xeque. Um documentário do canal britânico ITV intitulado The Diana Interview: Revenge of a Princess (“A entrevista de Diana: vingança de uma princesa”), exibido na segunda e terça-feira desta semana, revelou toda uma trama de chantagens e mentiras usadas para convencer a então ainda esposa do herdeiro do trono.

O documentário mostra que Bashir mentiu e falsificou documentos para ganhar a confiança de Diana e conseguir a entrevista, tratando de lhe demonstrar seus amplos conhecimentos sobre a família real e fazendo-a crer que ela estava começando a ficar à margem e devia erguer a voz. O primeiro a quem mentiu foi a Charles Spencer, irmão da princesa, que agora revela a rede de mentiras em que foi envolvido pelo jornalista. Ele reconhece que foi quem apresentou Bashir à princesa, depois que o jornalista lhe mostrou dois extratos bancários – falsos, como se sabe hoje – para demonstrar que dois dos seus guarda-costas estavam recebendo dinheiro dos serviços de inteligência para espiar a irmã dele. Segundo Spencer, que qualifica as táticas de Bashir como “puramente desonestas”, sem esses documentos ele nunca teria tomado a decisão de apresentar a sua irmã ao jornalista.

Veículos como o Daily Mail revelam agora outras mentiras que Bashir contou à princesa, aparentemente para meter-lhe medo e convencê-la a se abrir. Assim, informou-lhe que sua correspondência era aberta às escondidas, que era seguida sempre que entrava em um carro, e que seu telefone estava grampeado. Também lhe disse – segundo as anotações que o conde Spencer ainda conserva – que o serviço secreto britânico tinha gravado o príncipe Charles e seu secretário privado planejando “o final”, e que tanto seu guarda-costas como seus melhores amigos a estavam traindo. Além disso, Bashir atacou com falsidades, como ao dizer que a rainha Elizabeth II tinha problemas cardíacos e que o príncipe Edward, o mais novo dos quatro filhos da soberana, estava sendo tratado de aids num hospital londrino.

Todas essas mentiras se transformaram em um escândalo descomunal para a BBC, que anunciou uma comissão de investigação a respeito. A corporação está tratando de manter uma conduta exemplar e inclusive vem publicando em seu site, diariamente, os novos capítulos dessa novela. Já se desculpou pelos documentos falsos, mas, conforme afirma, eles não tiveram nada a ver com a decisão de Diana de participar da entrevista. De fato, apenas oito pessoas sabiam, naquele novembro de 1995, que a princesa apareceria no programa. Nem sequer o então presidente da emissora, Marmaduke Hussey, estava informado, pois era amigo íntimo do príncipe Charles e porque sua mulher, Susan, era (e continua sendo) amiga e dama de companhia de Elizabeth II. Hussey nunca se sentiu cômodo com essa entrevista, que rompeu os até então sólidos laços entre a BBC e Buckingham.

Hussey morreu em 2006, mas lorde Michael Grade, que presidiu o canal em meados da década de 2000, agora deseja esclarecer a trama. “Há uma nuvem muito negra sobre o jornalismo da BBC”, afirmou ele na própria emissora, defendendo que a comissão de investigação interna comece a funcionar “imediatamente” e acrescentando que seus resultados “devem ser divulgados publicamente”. Seu hoje diretor-geral, Tim Davie, afirmou no começo da semana que a instituição está “levando tudo isto muito a sério”. “Queremos saber a verdade”, acrescentou.

Quem não se pronunciou a respeito foi Martin Bashir. O hoje editor de religião da BBC está gravemente doente. Uma porta-voz informou que “está se recuperando de uma cirurgia de quádruplo bypass e sofre complicações importantes após ter contraído covid-19 no começo do ano”.

Como se faltasse alguém no assunto, apareceu até o ilustrador a quem Bashir teria pedido para falsificar os extratos bancários para a entrevista do Panorama. Esse homem, chamado Matt Wiessler, afirma que já houve uma investigação interna, em que ele foi “o bode expiatório”. Essa investigação data de 1996 e esteve a cargo do então diretor de jornalismo, Tony Hall. A conclusão foi que Bashir era “um homem honesto”, mas que o ilustrador nunca voltaria a trabalhar para a BBC. Quando soube o resultado, ficou “absolutamente atônito”.

No documentário, Wiessler argumenta que tudo aquilo não foi ideia dele: “É como culpar uma caneta por escrever uma carta ruim”. “Não sei como alguém pode contar a história de que um ilustrador é o culpado de utilizar documentos copiados como uma falsificação. Convivi com isto por 25 anos.” Tanto que decidiu ir embora de Londres e começar uma nova vida. Agora, quer ter sua reputação restaurada e que não o chamem mais de falsificador diante de seus filhos. “Quem tem que dar as caras é Martin Bashir. É o único que tem as respostas.”

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