Com bate-boca entre ministros, STF abre batalha interna sobre “superpoderes” ao presidente da Corte

by @prflavionunes

Após dois dias de julgamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira, por 9 votos a 1, manter a decisão de Luiz Fux, presidente da corte, de derrubar uma liminar monocrática do ministro Marco Aurélio Mello que dava liberdade ao traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, foragido desde o sábado (10). A votação, no entanto, acabou em segundo plano diante de uma discussão que começou a ganhar corpo na quarta-feira e explodiu com força no plenário hoje: a possibilidade de que o presidente da corte tenha o direito de cassar por conta própria uma decisão de outro ministro que, em teoria, é o seu par ―ou seja, conceder uma espécie de “superpoder” ao condutor do tribunal, cujo mandato dura dois anos.

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A disputa em torno do tema foi explicitada pelo próprio Marco Aurélio Mello. Durante seu voto – o único a favor da manutenção da própria liminar ―, ele afirmou que “o que está em jogo nesse julgamento é saber se o presidente pode tirar a tutela de um caso jurídico de um par da corte”. Disse ainda que o presidente “não pode ser um censor entre seus iguais, levando o Supremo ao descrédito”. Na mesma linha, Ricardo Lewandowski disse que isso significaria transformar os presidentes dos tribunais em “superministros”, com mais poderes que os demais integrantes da corte. Ele defendeu que os magistrados mantenham o poder de tomar decisões monocráticas com maior facilidade em casos urgentes, citando como exemplo sua decisão que permitiu ao EL PAÍS e à Folha de S. Paulo entrevistarem em abril de 2019 o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então encarcerado em Curitiba.

Gilmar Mendes, um dos mais veementes contra os “superpoderes”, disse que, caso essa possibilidade seja aceita, ela teria que ser estendida para todos os demais tribunais do país ―o que geraria, segundo ele, “uma grande jabuticaba, toda uma jabuticabeira, uma verdadeira confusão”. Para o ministro, caso a decisão seja adotada, a presidência das cortes passaria a funcionar como “censura da ordem pública”, criando “uma hierarquia que não existe dentro do tribunal”. A própria fala de Mendes dá uma ideia da dimensão que a disputa ganhou sobre o Supremo. Ele falou por quase uma hora sobre a questão dos “superpoderes” ―e menos de 30 minutos sobre a decisão supostamente principal em jogo.

Por sua vez, ao final do voto de Mello, Fux tentou negar a possibilidade de ganhar novos poderes. Segundo ele, a decisão adotada no caso de André do Rap foi uma “circunstância excepcionalíssima”. Em sua fala, afirmou que “não tenho nenhuma pretensão de ter superpoderes, mas tenho toda a intenção de manter a imagem do Supremo Tribunal Federal”. Não parece ter sido o suficiente para acalmar os ânimos. A tensão foi detonada no final do julgamento, com um início de bate-boca entre Fux e Mello. “Só falta essa, Vossa Excelência querer me ensinar como votar. Não imaginava que seu autoritarismo chegasse a tanto”, disse Mello, achando que estava sendo pressionado pelo presidente. “Só falta Vossa Excelência querer me peitar para eu modificar meu voto”. Fux se limitou a responder pedindo respeito a ele e ao tribunal como um todo.

“Uma só voz”

Negativas à parte, ontem mesmo uma outra ala dos ministros havia sinalizado a possibilidade de diminuir o poder individual dos magistrados, com uma alteração no regimento interno que faria com que a maior parte das decisões monocráticas tivesse que ser analisada de forma rápida pelo pleno do colegiado, formado por 11 ministros, que poderia ou não confirmar a decisão. Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, “devemos falar sempre a uma só voz, sem que ninguém possa individualmente personificar o tribunal. Importa em perda de poder do relator mas, ao meu ver, é compensado pelo fortalecimento do tribunal”. Algo que deverá enfrentar forte resistência de parte dos ministros, como evidenciado hoje.

Caso essa medida avance, seria uma espécie de desdobramento da decisão tomada no início do mês de devolver ao plenário ―ao invés de deixar os julgamentos concentrados nas duas turmas da instituição ―todos os inquéritos e ações penais envolvendo autoridades com foro privilegiado, como políticos, ministros e juízes de outros tribunais. Na ocasião, o movimento foi visto como uma tentativa de blindar a corte da influência do presidente da República, Jair Bolsonaro, que deverá indicar pelo menos dois ministros para o STF até 2022 ―mas com a consequência de diminuir o peso individual dos ministros.

Sem surpresas

No julgamento do caso propriamente dito de André do Rap, não houve surpresas. A decisão estava desenhada desde ontem, quando seis integrantes do Supremo haviam formado maioria para a decisão de Fux em derrubar a liminar de Mello. Hoje, mais três ministros ―Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes ―também se manifestaram favoravelmente à decisão, argumentando que a soltura do preso não deve ser automática após o fim do prazo legal, o principal argumento usado por Mello para libertar o criminoso.

Já o próprio Marco Aurélio Mello defendeu sua postura: “não me sinto, em que pesem as inúmeras críticas, no banco dos réus”. Segundo ele, “a regra é a liberdade, e a exceção é a prisão, embora os que têm a chibata na mão não pensem assim”. Em seu voto, o ministro afirmou que houve falha do juiz responsável por analisar o afastamento de André do Rap antes do vencimento do prazo de 90 dias da prisão preventiva, como prevê a lei aprovada recentemente. Segundo ele, boa parte dos detidos no sistema penitenciário brasileiro está em situação inconstitucional. Foram dez votos, uma vez que a vaga do ministro Celso de Mello – aposentado oficialmente esta semana – ainda não foi preenchida. Kássio Nunes, indicado por Bolsonaro, deverá ser sabatinado pelo Senado na próxima semana.

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