Eleição em Fortaleza testa frente ampla contra Bolsonaro

by @prflavionunes

Todos contra Jair Bolsonaro. Assim se resume o segundo turno da eleição municipal de Fortaleza, a quinta maior cidade do Brasil, com 2,6 milhões de habitantes. Mesmo que o candidato do presidente, o Capitão Wagner Sousa (PROS), tente omitir o apoio dele na reta final, os partidos decidiram se unir em torno de José Sarto Nogueira (PDT) na tentativa de combater o bolsonarismo no Ceará. O pedetista representa o tradicional clã Ferreira Gomes, comandado pelos ex-governadores Ciro e Cid Gomes. É também o escolhido pelo atual mandatário Roberto Cláudio (PDT) e pelo governador Camilo Santana (PT), que no primeiro turno sinalizou um apoio tímido à concorrente de seu partido, Luizianne Lins.

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Nessa segunda etapa, Wagner tem o apoio dos nove partidos pequenos e médios que estavam com ele no primeiro turno. Enquanto Sarto aumentou seu leque de apoio de 10 para 16 siglas. Entre elas, há legendas antagônicas no cenário nacional como PT e PSDB ou PSOL e PSL. Os partidos de quase todos os derrotados em 15 de novembro declararam apoio ao pedetista. Apenas a candidata Luizianne Lins, que foi vítima de duros ataques por parte de Sarto, não se pronunciou oficialmente sobre o apoio. Está ressentida. Mas em seu Twitter ela replica pedidos de votos para quem é antibolsonaro, entre eles, Sarto.

Nas ruas de Fortaleza ou entre quem estuda ciência política, circula a avaliação de que Wagner teria mais chances de se eleger, desde que não tivesse o apoio de Bolsonaro. O presidente tem rejeição de 46% na cidade, conforme o Ibope ―é no Nordeste onde o presidente amarga suas piores taxas no país. Enquanto os principais cabos eleitorais de Sarto, o governador Camilo e o prefeito Roberto Cláudio, outros frutos do arranjo Ferreira Gomes-PT, tem aprovações de 57% e 52%, respectivamente. “Quem não quer renovação? Mas o preço para tirar os Ferreira Gomes do poder é muito caro. Eleger bolsonarista não dá”, disse o pescador José Erivaldo Silva, de 52 anos, no cais do Porto do Mucuripe. “O voto no Sarto é uma espécie de continuidade. O capitão é a incerteza”, diz a vendedora Maria Vandineide de Souza, de 43 anos, no bairro Couto Fernandes, na região centro-oeste da capital.

Entre os apoiadores do policial reformado, o argumento é o da renovação. Cinco deles ouvidos pela reportagem dizem que, em caso de não dar certo, ele pode ser substituído daqui a quatro anos. “Votei no atual prefeito e acho que ele ficou devendo em várias áreas. Votarei no capitão porque acredito que ele vai nos trazer segurança”, disse a administradora Danielly Sinésio, de 24 anos. “Fortaleza está muito tempo nas mãos do mesmo grupo político o que favorece a corrupção. Tem de mudar e o capitão tem experiência para isso”, opina a ambulante Silviane Vieira, de 40 anos, no centro da cidade.

Parte dessa avaliação popular coincide com a feita por quem leciona na academia. “O capitão tem história na política. Foi vereador, deputado estadual e é deputado federal. Sempre muito bem votado. Ele não chegou agora, mas o apoio que teve do Bolsonaro mais o prejudicou do que o ajudou”, diz a socióloga Monalisa Soares Lopes, que é membro do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará.

Um dos principais apoiadores locais de Wagner, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), diz que tentar transferir a questão nacional para a disputa municipal faz parte de uma estratégia eleitoral. “É um jogo político, querem nacionalizar a campanha para não olharem os problemas gravíssimos que temos aqui, como a saúde que não funciona”, disse. Girão doou neste ano 1,2 milhão de reais para a campanha do militar reformado, o que representa 36% do total de recursos arrecadados por ele. O senador ainda critica o apoio dos irmãos Ferreira Gomes a Sarto. “Essa oligarquia quer fazer da Prefeitura de Fortaleza um bunker para a campanha presidencial deles”, afirmou.

Favoritismo pedetista e ofensiva pelo voto evangélico

A última pesquisa Ibope divulgada na segunda-feira mostra que no segundo turno Wagner cresceu só dois pontos percentuais em comparação com resultado eleitoral. Saltou de 33% dos votos para 35%, das intenções. Enquanto que Sarto foi de 35% para 53%. “Todos os cenários indicam a vitória de Sarto”, ressalta a professora Monalisa.

Para essa especialista, ao longo de toda campanha eleitoral, os candidatos se preocuparam mais em desconstruir os adversários do que em apresentar propostas. Foi o que aconteceu no debate desta terça-feira, na TV Jangadeiro/SBT. Wagner tentou atribuir a marca de corrupto a Sarto, citando uma CPI da qual o pedetista foi alvo na década de 1990 na qual teria cobrado propina da extinta TV Manchete. Sarto diz que é ficha limpa e que nunca foi punido judicialmente. Já o pedetista chamou Wagner de fascista e afirmou que ele é defensor de policiais acusados de cometerem uma chacina com onze vítimas em 2015 no bairro Curió.

Na reta final, a campanha de Wagner ainda copiou a estratégia de Bolsonaro de 2018. Tentou se aproximar ainda mais dos evangélicos e colar em seu adversário a pecha de radical de esquerda. “Veja a expressão de ódio, de raiva, na expressão do candidato a cada resposta que ele profere. Aqui comigo não tem ódio, aqui tem amor”, disse Wagner no debate desta terça-feira. A resposta de Sarto é de que seu adversário, sim, prega a divisão. “Eu sou médico. As minhas mãos trazem a vida. Você nasceu do motim, você nasceu da violência”, afirmou no debate, citando o início da carreira política de Wagner, como líder de uma rebelião policial.

O nível da campanha baixou, de fato, nesta semana. Em igrejas evangélicas na periferia de Fortaleza, foram distribuídos panfletos apócrifos com fotos de Sarto, Ciro e Cid Gomes, Roberto Cláudio e Camilo Santana. No papel havia frases como: “Por que meu pastor não vota no Sarto?”. Ainda usa a estratégia de vincular o candidato à “ideologia de gênero”, dizendo que ele apoia a “política gay para as crianças”. Algo refutado pelo pedetista.

Sarto está na política partidária eleitoral há 32 anos. Foi vereador e cumpre seu sétimo mandato como deputado estadual. É o atual presidente da Assembleia Legislativa do Ceará. Já passou por seis legendas, geralmente seguindo os Ferreira Gomes. Enquanto Wagner cresceu politicamente entre 2011 e 2012, quando liderou um motim de policiais. Era suplente de deputado em 2010, foi eleito vereador dois anos depois, em 2014 foi o deputado estadual mais votado e, em 2018, o federal. Foi derrotado para a prefeitura em 2016 e o PROS é o seu segundo partido. Independentemente de quem vencer no próximo domingo, a eleição fortalezense será usada como ao menos um laboratório do pleito de 2022.

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