Ellen White ensinou a salvação pelo Sábado?

by @prflavionunes

por Prof. Paulo Cristiano da Silva – sáb fev 13, 12:07 am

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Ellen White ensinou a salvação pelo Sábado? – Uma resposta à Réplica de Leandro Quadros

Ellen White ensinou a salvação pelo sábado? Se isso for verdade, ela ensinou consequentemente a salvação pelas obras, o que contraria tanto o lema da Reforma Protestante Sola Fides, quanto a doutrina bíblica e paulina da salvação pela fé (Ef 2.8-10).

A frase mais polêmica da “profetisa” quanto à salvação pelo sábado encontra-se no livro Testemunhos Seletos, volume 3, na página 23, que traz a seguinte declaração:

“Santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna.”

A frase, por si só, dispensa comentários e se constitui em uma forte evidência na direção da salvação por meio da guarda do sábado, portanto, por meio das obras. Menos para o senhor Leandro Quadros, que sai em defesa de EGW com o seguinte protesto:

“Muitos críticos de Ellen White – bem desinformados – descontextualizam a declaração do livro Testemunhos Seletos, vol. 3, pág. 23, para afirmarem que Ellen White ensinava a salvação pelas obras e que só quem guarda o Sábado vai para o Céu […] Sem analisar o restante do livro onde está a citação, é fácil colocar nos escritos de Ellen White palavras que ela jamais sonhou escrever… A seguir, apresentarei a você uma explicação sobre o assunto. Convido-lhe a não acreditar nas desinformações que o Centro Apologético “Cristão” de Pesquisa (CACP) e o Instituto “Cristão” de Pesquisas (ICP) apresentam, com o intuito de menosprezar a autora.”[1]

No desenrolar do artigo veremos de fato quem está desinformado: nós ou Leandro Quadros. Mas por enquanto, deixemos que Quadros justifique sua defesa.

O primeiro argumento dele é citar um trecho em que ela parece defender a salvação pela graça sem as obras da lei: “Nem a morte, nem a vida, altura ou profundidade, nada nos poderá separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus; não porque a ele nos apeguemos com firmeza, mas porque ele nos segura com Sua forte mão. Se nossa salvação dependesse de nossos próprios esforços não nos poderíamos salvar; mas ela depende de Alguém que está por trás de todas as promessas.” – Atos dos Apóstolos¸ pág. 553 (Grifos meus).

Essa declaração não nos surpreende, visto que a autora é conhecida por suas muitas contradições em áreas como doutrina, visões, história, costumes e passagens bíblicas. Há tantos erros que fica difícil, senão impossível, enumerá-los em apenas um artigo. Ela falava uma coisa e se contradizia em seguida; ensinava uma coisa e depois tinha de mudar em anos posteriores. Como confiar na idoneidade de uma pessoa assim?

Tentando alavancar uma resposta para as inúmeras acusações de erros e contradições de EGW (muitas destas acusações vindas dos próprios pastores adventistas), o Centro White de Pesquisas sai com a seguinte defesa:

 “Os críticos de Ellen White têm contrastado certas declarações em que ela parece contradizer-se a si mesma ou contradizer a Bíblia. Algumas dessas “contradições” são meramente distorções das suas palavras pelos críticos; outras podem ser explicadas pelo fato de que a declaração em questão é somente parte de uma ideia que é desenvolvida mais completamente em outras seções de seus escritos.”

Sim, concordamos que todas essas possibilidades são válidas, mas é também válido dizer que é possível encontrar contradições reais em seus escritos.

Mas prosseguindo, dizem que “é necessário considerar se o “erro” percebido é fundamental para a mensagem divina, ou irrelevante. Mesmo quando for fundamental, precisamos levar em conta a possibilidade de que o Espírito Santo pode “corrigir” o profeta numa revelação futura. Ver II Samuel 7:1-17, por exemplo. Se, em seus ensinos proféticos – aquelas mensagens apresentadas como revelação do Senhor – Ellen White ou qualquer outro reivindicador fossem achados contradizendo o ensino da Palavra de Deus, então tais reivindicações falhariam diante do teste bíblico: “À lei e ao testemunho! Se eles não falarem desta maneira, jamais verão a alva” (Isa. 8:20). [2]

Ora, erro é erro, não importa se é fundamental ou não. Mas suponhamos que fosse possível um profeta bíblico, sob inspiração divina, errar: isso não justificaria os erros de EGW. Um erro não justifica o outro. O que percebemos nesta tentativa de defesa é um esforço enorme para maquiar os inúmeros erros e falhas nos escritos dessa mulher. As seitas fazem de tudo para proteger seus falsos profetas, até mesmo voltar-se contra a própria Bíblia procurando nela supostos erros que possam justificar os erros de seus líderes. Essa é uma tática típica de movimentos como adventistas, testemunhas de Jeová e mórmons, só para citar três das mais importantes seitas surgidas do fanatismo religioso americano do século XIX.

Mas o caso é que não há erro no texto bíblico, e Natã em questão não se contradisse, pois a primeira opinião que ele deu a Davi foi pessoal e informal, a segunda, sim, foi revelação de Deus. Portanto, estavam em categorias diferentes. Contraditório seria se as duas estivessem na mesma categoria: ou só pessoal ou só revelacional.

Acreditar que há erros de copistas é uma coisa, agora creditar erros e contradições aos autógrafos bíblicos é não só tributar a Deus falha, mas chamá-lo de incompetente, pois não conseguiu preservar sem erros sua revelação. Nesse caso o ditado popular que diz que “Deus escreve certo por linhas tortas” chega mais próximo da ortodoxia do que a ideia adventista de inspiração, pois a igreja cristã acredita, e praticamente todos os evangélicos professam, que Deus, mesmo usando homens falhos, trouxe ao mundo uma revelação sem erros nos escritos originais.

Quanto à citação que Quadros faz de outros trechos em que ela parece afirmar a salvação somente pela fé, pode ser comparada, resguardadas as devidas proporções, ao que a Igreja Católica acredita sobre justificação pela fé para a salvação. A teologia católica romana também acredita na justificação pela fé, mas depois a fé sozinha é impotente, deve haver obras cooperando com essa graça. É o que mostraremos mais adiante nos escritos adventistas.

Eis o segundo argumento de Leandro Quadros: Quando lemos todo o capítulo 2 do livro citado podemos ver que Ellen White disse que o Sábado “implica em salvação eterna” para aquele que conhece a verdade.”

Essa segunda tentativa é de debilidade evidente, já que ele nada faz senão confirmar o erro, isto é, a salvação pelo sábado. A novidade agora é que ser salvo pelo sábado é só para adventistas. Pergunto: Que mudança esse argumento trouxe à questão? Nenhuma. A heresia continua a mesma.

Leandro prossegue em sua explicação: A citação completa na pág. 23 explica o porquê de o Sábado importar em salvação eterna:“Santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna. Diz Deus: “Aos que Me honram, honrarei.” I Sam. 2:30”. Veja que ela usou o texto de 1Sam. 2:30 para explicar que a santificação do Sábado implicará [no futuro, quando todos forem provados pelo decreto dominical] em salvação eterna porque santificar o Sábado é uma questão de honrar a Deus, o “Senhor do Sábado” (Mar. 2:28). E, quem desonrar a Deus de forma rebelde até o tempo do fim, não poderá ser salvo.

Eu também repassei a leitura de todo o capítulo 2 e não encontrei nada no contexto que justifique a interpretação de Quadros. A frase “santificar o sábado…importa em salvação eterna”, simplesmente é jogada no texto como uma afirmação. Ela não tem nenhuma conexão com uma salvação “no futuro” como quer nos fazer acreditar Leandro Quadros. É uma interpretação desesperada dizer “no futuro, quando todos forem provados pelo decreto dominical”, sendo que nada no contexto aponta para isso. A estrutura da sentença incontestavelmente é para o presente, ela não diz “importará em salvação eterna”, mas “importa [presente do indicativo] em salvação”. Portanto, EGW não está falando de um suposto teste no futuro. Isso fica por conta da imaginação do senhor Leandro Quadros.

Aliás, até a página 29, onde ela ainda cita literalmente o sábado, percebemos inúmeras minúcias e detalhes de como guardar o sábado. Expressões tais como: “durante toda a semana nos cumpre ter em mente o sábado”,  “o sábado santifica”,  deve-se “comer menos” no sábado, “crianças não devem brincar no sábado”, se um adventista precisar viajar no sábado, ele pode, mas deve evitar sentar perto de pessoas que o distraiam com pensamentos seculares, permeiam todo o capítulo. É em meio a todo esse legalismo que ela introduz a frase fatídica “Santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna”. Não dá para interpretar de outra maneira: EGW ensinou, sim, a salvação por meio da guarda minuciosa do sábado.

E se não bastasse todo esse legalismo, para piorar, no final do capítulo, ela conclui que até no céu haverá sábado: “Com isto os habitantes da Terra serão habilitados para as moradas celestiais que Cristo foi preparar para os que O amam. Lá no santuário de Deus, reunir-se-ão, então, sábado após sábado e mês a mês para participarem dos mais sublimes cânticos de louvor e ação de graças…” (Testemunhos Seletos, vol 3, p. 32)

Ela não só acreditava que o céu seria regido pelo chronos, mas também que esse tempo era demarcado pelo sábado. Se há sábado, então haverá pôr do sol. Mas como, se nem na nova terra haverá mais sol (Ap 21.23)?! Se não haverá na terra, no céu muito menos! Mas para quem acredita que “Todo o Céu celebra o sábado…” a questão dos astros é de somenos importância. É por causa dessas e outras que o pastor Natanael, com toda a razão do mundo, denominava esse comportamento de sabadolatria.

Mas Leandro Quadros precisa prosseguir com seu malabarismo exegético para salvar a reputação da sua profetisa. Sendo assim, ele conclui dizendo: Portanto, longe de ensinar a salvação pela Lei, Ellen White está exortando as pessoas de que rejeitar uma verdade depois de conhecê-la significa desonrar a Deus, o que levará à perdição. Também ela mostra que relaxar na observância do Sábado é errado, pois é uma afronta ao mandamento. Qualquer mandamento que seja desobedecido voluntariamente – sem que haja arrependimento – implicará em perdição. Isto não se aplica apenas ao quarto (Êxodo 20:8-11), que ordena a observância do Sábado: “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos.” Tiago 2:10.

Se relaxar na observância do sábado é desonrar a Deus, o que em última instância constitui uma afronta direta, que por sua vez implicará em perdição eterna, então por que Jesus disse que aos sábados “os sacerdotes quebrantam-no e ficam sem culpa”? Preste atenção: “Ou não lestes na lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o sábado, e ficam sem culpa?” (Mt 12.5)

Creio que nenhum adventista admitiria o fato de uma pessoa violar os dez mandamentos e ainda permanecer sem culpa. Agora imagine essa situação com os outros nove mandamentos dentro daquele contexto proposto por Jesus: quais dos nove mandamentos poderiam ser violados dentro do templo e ainda assim o sacerdote ficar sem culpa? Nenhum. No entanto, com o sábado podia.

Agora, como os sacerdotes violavam o sábado? Jesus responde em Jo 7.23: “Ora, se um homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja violada, como vos indignais contra mim, porque no sábado tornei um homem inteiramente são?”

Destes dois textos tiramos duas conclusões importantes: a) a lei de Moisés da circuncisão (cerimonial?) não pode ser violada, enquanto b) o sábado (moral?) pode ser violado. Qual das duas leis é a maior: aquela que pode ou aquela que não pode ser violada? Alguém aí “Na Mira da Verdade” pode responder?

Quanto à citação que ele faz de Tiago 2.10, como se estivesse falando apenas dos dez mandamentos, sugiro que o leitor tire suas dúvidas lendo nosso estudo sobre o tema aqui: http://www.cacp.org.br/a-lei-da-liberdade-e-a-lei-de-moises-uma-analise-de-tg-210/

O VERDADEIRO CONTEXTO DA CITAÇÃO DE EGW

Já vimos que nada no contexto do capítulo 2 do livro “Testemunhos Seletos” apoia a interpretação de Quadros. Mas o que dizer do contexto mais lato? Poderia ele lançar alguma luz nessa passagem?  Já foi observado que a frase “santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna” está inserida dentro de um contexto altamente legalista e o legalismo decorre de uma falha hermenêutica sobre a justificação pela fé. Há duas maneiras de o legalismo se manifestar: uma com obras e a outra com obras + fé.

Quando Ellen White proferiu essas palavras qual era a compreensão teológica adventista sobre o assunto? O que eles acreditavam sobre o meio de obter salvação? E quanto à guarda sabática, será que ninguém no meio adventista acreditava como EGW, isto é, que a guarda do sábado traria salvação?

Uma religião legalista

Renato Stencel, no artigo “Tradição ou convicção? O papel de Ellen G. White na compreensão da justificação pela fé”, aponta alguns detalhes quanto à falta de compreensão adventista sobre a doutrina da justificação pela fé.

Nas décadas de 1870 e 1880 surgiu uma nova geração de adventistas. Ridicularizados pelos demais cristãos como legalistas e judaizantes, perseguidos em algumas áreas, esses adventistas esquadrinharam a Bíblia para encontrar apoio para as suas crenças acerca do sábado. Encontraram um verdadeiro arsenal de textos comprobatórios, que podiam ser usados com uma lógica esmagadora para demonstrar a perpetuidade do sábado. Eles buscavam o debate e, imperceptivelmente, chegaram a ser exatamente aquilo de que eram acusados: legalistas que procuravam que seus próprios atos pudessem salvá-los, em vez do que Jesus Cristo fizera por eles.24 (Revista Parousia, 1° e 2° Semestre de 2009, UNASPRESS – grifo nosso)

Mas isso não se restringiu apenas às décadas de 1870/80, não. É oportuna a pergunta que o historiador adventista George Knight faz sobre essa mesma questão – a justificação pela fé: “É correto afirmar que todos os adventistas do sétimo dia não criam na justificação pela fé antes da Assembleia da Associação Geral de 1888?” e a resposta dada foi “Sim, isso é verdade.” (Knight, George R. A Mensagem de 1888. CPB, 2004, p. 91 – grifo nosso)

Apesar de Knight usar a expressão “todos” os adventistas, ele e Stencel tecem uma tímida defesa em direção à EGW, apontando para o fato de que apenas ela e seu esposo, eram praticamente os únicos a tocarem sobre o tema antes de 1888. Mas observando com mais cuidado um fragmento em que EGW toca no assunto, dá para perceber o tipo de justificação pela fé que ela professava:

No entanto, podemos observar que, a partir de 1875, Ellen G. White passou a dar uma ênfase maior nesse assunto em seus escritos. Nesse mesmo ano ela escreveu: Cristo aperfeiçoou um caráter reto aqui na Terra, não para seu benefício, pois seu caráter era puro e sem mancha, mas a favor do homem caído. Ele oferece seu caráter ao homem se ele quiser aceitá-lo. O pecador, mediante arrependimento de seu pecado, fé em Cristo e obediência à perfeita lei de Deus, tem a justiça de Cristo que lhe é creditada; esta se torna sua justiça, e seu nome é registrado no livro da vida do Cordeiro. […] (Ibidem – grifo nosso)

Observou? A noção de justificação dela é arrependimento + fé + obediência à lei. Isso não reflete a noção protestante da justificação pela fé – Sola Fide, mas reflete o conceito teológico da IASD da época. Eis mais algumas citações da autora que refletem esse pensamento:

“Devemos ser todos ricos em boas obras, se queremos garantir-nos a vida futura e eterna. Quando o juízo se instituir e os livros forem abertos, cada qual será julgado e recompensado segundo as suas obras.” (Testemunhos Seletos, Vol. 1, p. 100 – grifo nosso ) 

Lembre-se, isso é um julgamento de obras para a salvação, não para recompensa (galardões).

“Conquanto as boas obras não salvem alma alguma, é impossível que uma única alma se salve sem as boas obras.” (Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 377 – grifo nosso).

“As condições de salvação são sempre as mesmas. A vida, vida eterna, é para todos os que obedecem à lei de Deus.” (EGW, SDABC, vol.7, p. 931, citação da Revista da Escola Sabatina, 6 de janeiro de 1980, p. 16)

Jesus abriu as portas da cidade de ouro, e nos fez entrar. Ali fomos bem-vindos pois havíamos guardado ‘os mandamentos de Deus’, e tínhamos o direito à arvore da vida”. (Vida e Ensinos, p. 95)

“Todos, quantos guardarem os mandamentos de Deus, entrarão na cidade pelas portas e terão direito à arvore da vida…” (Ibidem p. 107)

Mas algo começou a mudar quando dois pastores adventistas, A. T. Jones e E. J. Waggoner, na Conferência de Minneapolis, começaram a pregar a justificação pela fé, bem próximo ao que os evangélicos acreditavam. Pelo que se sabe, EGW se impressionou com a teoria destes dois pastores e daí em diante começou a falar mais sobre o assunto.

“É digno de nota que, logo após 1888, ela publicou influentes obras sobre a vida, obra e sacrifício de Cristo. Na visão de Knight, após Minneapolis, ‘o grande tema de Ellen White passou a ser Cristo e Sua justiça’. Cinco livros sobre a vida de Cristo foram lançados no período compreendido entre 1892 e 1905 […] Uma análise do conteúdo dessas obras leva-nos a concluir que Ellen G. White passou a dar uma nova ênfase ao tema da salvação pela fé.” (Ibidem)

Até então, a justificação pela fé adventista era uma equação farisaica de fé + obras = salvação.[3]

 “Se durante as  quatro primeiras décadas de existência do movimento adventista do sétimo dia muitos de seus pregadores enfatizavam mais as doutrinas adventistas distintivas do que as doutrinas evangélicas, a partir de 1888 essa tendência sectária e legalista passou a ser reequilibrada para uma maior ênfase na salvação pela graça mediante a fé…” […] Como já mencionado, foi apenas a partir de 1888 que os adventistas conseguiram superar sua ênfase sectária, reequilibrando os elementos distintivos da fé adventista com os componentes básicos da fé evangélica.” (Alberto R. Timm;  Revista Novo Membro pp. 7, 8 ; Publicação especial da Igreja Adventista do Sétimo Dia; União Brasileira da IASD, Editor: Leônidas Verneque Guedes.)

O sábado salva a alma?

Mas e quanto à salvação pelo sábado? Vamos ler o que escreveu Knight, eminente historiador adventista:

 “Bates, por exemplo, ensinou repetidas vezes que ‘a observância do SANTO SÁBADO DE DEUS… SALVA A ALMA’ (SDS [1847], págs. 55, afinal de contas, não tinha Jesus dito ao jovem rico que ‘a única maneira de entrar na vida era guardar os mandamentos’…” (Knight, George R. Em Busca de Identidade. CPB, 2005, p. 89 – ênfase no original)

E, “A obediente observância de todos os mandamentos era central para a sua [de Uriah Smith] maneira de ver o Adventismo. Na verdade, uma pessoa ia a Jesus por meio da obediência. Essa interpretação legalista estava em plena harmonia com José Bates, que na década de 1840, ensinara que ‘a observância do SANTO SÁBADO DE DEUS… SALVA A ALMA’ (SDS [1847], pág. 55)” (Ibidem, p. 104 – ênfase no original)

De posse desse contexto fica relativamente fácil entender o significado da frase de EGW “santificar o sábado ao senhor importa em salvação eterna”. A frase dela foi proferida dentro de um contexto legalista em que a teologia tradicional adventista acreditava na salvação pelas obras e, pelo que tudo indica, com ênfase no sábado. É bem provável que sua frase esteja em perfeita consonância com o pensamento de Bates sobre a salvação sabática. Não foi ela mesma que exaltou Bates (um dos fundadores da IASD) como “apóstolo do sábado”?

“O Pr. Bates, o apóstolo da verdade sobre o sábado, tomou a liderança em advogar a obrigatoriedade da guarda desse dia” (Primeiros Escritos, Prefácio Histórico XXII).

Sim, foi Bates que conseguiu convencer os White da guarda do sábado. Era ele até a década de 1850, o “grande” teólogo e escritor do grupinho de adventistas sabatistas.

Não é atoa que as duas frases, tanto de Bates, quanto de Ellen White sobre a salvação pelo sábado, confirmam esse legalismo prevalecente dentro da IASD antes de 1888.

Dentro da mesma década em que Bates ensinava a salvação pelo sábado (a partir de 1845), ela teve uma visão (05/01/1849) sobre pessoas que se perderam por não guardarem o sábado nos seguintes termos:

“Foi-me mostrada então uma multidão que ululava em agonia. Em suas vestes estava escrito em grandes letras: Pesado foste na balança, e foste achado em falta. Perguntei (ao anjo) quem era aquela multidão. O Anjo disse: Estes são os que já guardaram o sábado e o abandonaram” (Ellen G White, Primeiros Escritos, Editora Casa Publicadora, Tatuí – SP, 1995, p. 37)

A teologia sabatista de Bates

Não há como negar a dependência de EGW naquele momento quanto à teologia sabatista de Joseph Bates.

É digno de nota que de 1846 à 1850, Joseph Bates foi o criador e sistematizador de uma teologia sabatista com conexões escatológicas. Ele começou a criar com remendos textuais, uma colcha de retalhos doutrinária, onde o sábado era o fio norteador. Ele acreditava que seu grupo (adventistas sabatistas) era o único que havia sido comissionado divinamente para pregar o sábado ao mundo, porque eles se viam como movimento profético previsto em Apocalipse, sendo o sábado a grande terceira mensagem angelical de Apocalipse 14.[4]

É nesse contexto de contagiante fanatismo e euforia religiosa sabatistas que ele e a inexperiente Ellen White, proferiram suas frases de “salvação por meio do sábado”.

Conclusão

Diante do que foi exposto até aqui, fica evidente que a frase “santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna”, é uma clara confissão de que a guarda do sábado tem valor relevante como elemento salvífico na mentalidade de EGW antes de 1888.

Ao contrário do que afirma Quadros, temos boas e fortes razões (baseados no contexto mais amplo) para acreditar que a frase de EGW estava em consonância com o resto do pensamento adventista da época sobre salvação. Senão, vejamos:

1º – Nada no contexto do capítulo 2 nega que EGW não estava condicionando de certo modo a salvação por meio da guarda do sábado;

2º – O tema da justificação pela fé antes de 1888, entre os adventistas, era deficitário, restringindo-se aos pecados passados. Após a conversão exigia-se obediência irrestrita a todos os mandamentos da lei, isto é, fé + obras;

3º – O tipo de salvação pela fé de EGW, como vimos, era desse último tipo (fé + obras);

4º – Joseph Bates, um dos três fundadores da IASD, ensinou escancaradamente a salvação pelo sábado;

5º – Dentro dessa mesma década, EGW teve uma visão em que viu os que deixaram de observar o sábado em agonia de perdição eterna;

6º – À medida que os pioneiros adventistas iam desenvolvendo sua doutrina sabática, legalismo e mais legalismo ia sendo acrescentado sobre ele, transformando-o em objeto, se não de idolatria, pelo menos de obsessão doutrinária.

Concluímos, portanto, que a frase “santificar o sábado ao Senhor importa em salvação eterna” reflete exatamente isso mesmo que ela quis dizer: o sábado como meio condicional da salvação.

[1] Disponível em: http://novotempo.com/namiradaverdade/santificar-o-sabado-importa-em-salvacao-eterna/

[2] Disponível em: http://centrowhite.org.br/perguntas/perguntas-sobre-ellen-g-white/aparentes-discrepancias-e-contradicoes/

[3] No dia 04 de junho de 2016, foi ao ar o programa “O Clamor da Meia-Noite” pela TV Novo Tempo apresentado por Fernando Iglesias, no qual forneceu 04 motivos para as pessoas guardarem o sábado. Até aí tudo bem. Foi repassado os mesmos motivos surrados e os velhos textos fora dos contexto para os três motivos. A surpresa veio no quarto motivo: o quarto motivo é que guardando o sábado a pessoa é justificada pela fé, simplesmente por que fazendo assim, ela dependeria de Deus pela fé para esperar um emprego que não trabalhasse aos sábados. Absurdo! Por aí se percebe a compreensão que os adventistas possuem sobre o tema da justificação.

[4] Ver Knight “Adventismo: origem e impacto do movimento milerita”, pp. 289-291.

Cada autor é responsável pelo conteúdo do artigo.

Pr. Flávio Nunes

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