O governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou nesta segunda-feira que o programa estadual de vacinação contra o novo coronavírus terá início em 25 de janeiro. A Coronavac, desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, será aplicada de forma gratuita inicialmente em profissionais de saúde, pessoas com mais de 60 anos, indígenas e quilombolas, totalizando mais de 9 milhões de pessoas, que deverão receber duas doses cada. “Não estamos virando as costas para o plano nacional de imunização [que deve começar em março], mas precisamos ser mais ágeis”, afirmou. Essa primeira fase vai do dia 25 de janeiro, aniversário de SP, até o dia 28 de março.
No entanto, até o momento a Coronavac não possui registro na Anvisa, entidade regulatória nacional ligada ao Governo Bolsonaro. Os resultados finais de eficácia devem ser apresentados até o dia 15 de dezembro, mas dados preliminares apresentados por Doria dão conta de eficácia de 97%. Segundo a legislação referente a uma situação de pandemia, um fármaco pode ser usado para imunizar a população caso ela receba a aprovação dos EUA, União Europeia ou Ásia. Neste caso a Anvisa poderia conceder uma autorização de emergência.
O plano de Doria já vem despertando temor em alguns prefeitos paulistas, que dizem não contar com a infraestrutura ou recursos para começar a vacinar tão cedo, de acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo. Segundo Geraldo Sobrinho, presidente do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de SP, existe o temor de filas e falta de verba para pagamento de hora extra para as equipes vacinadora (uma vez que esta atividade ocorre fora do horário normal de trabalho). Para dar conta da demanda, o governador anunciou que irá dobrar o número de postos de vacinação, de 5.200 no Estado para 10.000, com o uso de farmácias, quartéis da polícia, escolas e o sistema de drive thru.
Indagado sobre a participação de clínicas privadas no calendário da vacinação, Doria informou que elas podem participar, mas de forma gratuita e com atendimento universal. “Não existe possibilidade do uso dessa vacina de forma particular ou com cobrança”, afirmou João Gabbardo, coordenador-executivo do centro de contingência contra a covid-19.
Doria também afirmou que “todo brasileiro que estiver em São Paulo poderá ser vacinado, não terá que comprovar residência”. “São Paulo faz parte do Brasil, não pode dar as costas a nenhum brasileiro”, disse. Isso levanta o temor de que haja uma corrida de pessoas de outros Estados para receber o imunizante aqui. De acordo com o governador, “oito Estados e várias prefeituras [dentre elas Rio de Janeiro e Curitiba] já pediram a Coronavac ao Butantan, e devem receber 4 milhões de doses”. Essa aliança com outros estados pode se configurar em um movimento político de relevo, desenhando uma espécie de aliança estadual contra o Governo Federal.
Doria, está uma disputa política com Jair Bolsonaro que extrapola o campo da Saúde e tem relação direta com a eleição de 2022, na qual ambos devem se enfrentar. O presidente já criticou por diversas vezes o que chamou preconceituosamente de “vacina chinesa” —o tucano se refere a ela como “a vacina do Brasil. Até o momento não existe nenhuma perspectiva da inclusão da Coronavac no calendário nacional de vacinação. “O que tivemos foram trativas [com o Ministério da Saúde], sem acordo formal, de aquisição da Coronavac para o programa nacional de imunização”, afirmou Jean Gorinchteyn, secretário estadual de Saúde.
Além disso, a Sinovac Biotech se viu imersa em um escândalo de subornos recentemente. Reportagem do The Washington Post publicada no início do mês apontou que o então gerente da farmacêutica, Yin Weidong, pagou 83.000 dólares de propina para responsáveis pelo órgão regulatório chinês com o objetivo de acelerar a liberação de medicamentos. O esquema teria funcionado até 2011.
O plano do Governo Federal prevê a aplicação “dos imunizantes já garantidos pelo Ministério da Saúde – Fiocruz/AstraZeneca e por meio da aliança Covax Facility”, à partir de março, segundo o secretário de Vigilância Sanitária, Arnaldo Medeiros. A vacina da Pfizer seria excluída do programa devido à dificuldade de armazenamento: as doses precisam ficar guardadas em ambiente refrigerado abaixo de -70°C.
O cronograma Federal prevê que os primeiros a serem vacinados serão trabalhadores da saúde, idosos com mais de 75 anos ou pessoas acima de 60 que vivam em asilos e população indígena. O próximo grupo prioritário será de pessoas entre 60 a 74 anos, e em seguida portadores de comorbidades (doenças renais crônicas e cardiovasculares). A última fase inclui professores, forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e população privada de liberdade, e posteriormente a população em geral que não tenha sido contemplada.
O prazo do Governo Federal, de iniciar um programa nacional em março, foi alvo de críticas por parte do estafe de Doria. “Estamos todos perplexos com a previsão do Ministério da Saúde de iniciar a vacinação só em março. Teremos em janeiro milhares de pessoas que vão ficar doentes, que vão se internar, que irão a óbito”, ressaltou João Gabbardo, o coordenador executivo do Centro de Contingência do coronavírus em São Paulo e ex-secretário do Ministério. A expectativa é de que com as festas de fim de ano o contágio aumente drasticamente nas próximas semanas.
Mas nem todos compartilham das críticas. Wanderson de Oliveira, ex-secretário de Vigilância Epidemiológica do Ministério da Saúde que ganhou destaque durante a gestão do hoje ex-titular da pasta Henrique Mandetta, se mostra pessimista quanto aos prazos propostos. “Não é possível uma grande campanha de vacinação no Brasil já a partir do primeiro semestre”, afirmou em entrevista à repórter Beatriz Jucá. Ele aposta em um programa “robusto” apenas à partir de maio ou junho.
Durante a fase mais aguda desta guerra das vacinas dos Governos de SP e Federal, o ministro da Saúde, Eduardo Pazzuelo, quase foi alvejado. Em outubro ele firmou compromisso de compra de 46 milhões de doses da Coronavac, e disse que ela seria incluída no Programa Nacional de Imunização. Horas depois foi desmentido por Bolsonaro em uma rede social: “A vacina chinesa de João Doria, qualquer vacina antes de ser disponibilizada à população, deve ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém. Minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”
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