O livro Nos Bastidores do Reino, publicado originalmente em 1995 como autobiografia de um ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que foi demitido por ser bissexual e portador do vírus HIV acaba de ser relançado e pode virar filme.

O ex-pastor Mário Justino, 56 anos, é o autor de Nos Bastidores do Reino, que descreve a Igreja Universal como “uma empresa com fins lucrativos como qualquer outra na ciranda financeira” e relata sua incursão pela homossexualidade após ocupar a função sacerdotal na instituição fundada pelo bispo Edir Macedo.

À época, Justino era casado e pai de dois filhos, e alega ter tido sua primeira relação homossexual com outro pastor da Universal.

No livro, ele relata um diálogo com o próprio Macedo no momento de sua demissão: “Ora, não se faça de imbecil! Você sabe por que tem de ir. Mas vou refrescar sua mente. Você não pode mais ficar com a gente porque tem Aids!”.

O ano era 1993 e o mundo vivia um surto de Aids, com maior incidência sobre homossexuais. “O mal que eu temia me sobreveio”, admite o ex-pastor no livro. Sua demissão o fez enveredar pelo caminho da vingança, e ele se tornou viciado em crack e heroína.

Planejou atacar Edir Macedo para “estourar-lhe os miolos” quando o viu sair de uma limusine em Nova York. “Perdi uma boa chance de entrar para a história como o Lee Oswald [o assassino do presidente americano John F. Kennedy] da Igreja Universal”, descreve Justino no livro.

Liminar

A Igreja Universal do Reino de Deus entrou na Justiça com um pedido de liminar para retirar Nos Bastidores do Reino de circulação, e a ação foi aceita.

A estratégia foi adotada após, segundo informações do jornal Folha de S. Paulo, a instituição de Edir Macedo ter tentado adquirir os direitos do livro.

O publisher da Geração Editorial – responsável pelo relançamento em 2021 – Luiz Fernando Emediato contou que o bispo “tentou comprar os direitos do livro para engavetar”. A primeira tentativa teria sido feita diretamente com Mário Justino, que recusou a proposta, e depois o contato foi com ele, que também rejeitou.

“Me dariam um dinheiro, e eu enrolaria o autor até ele morrer de Aids, não tinha coquetel [para controlar o HIV] na época”, afirmou Emediato.

Diante das recusas, a Universal foi à Justiça e conseguiu a liminar, retirando o livro de circulação: “A mesma juíza demorou dois anos para julgar o mérito. Quando julgou, surpreendentemente liberou [a circulação de Nos Bastidores do Reino] e nos deu ganho de causa. Mas aí o interesse pelo livro havia desaparecido”.

‘Chute na santa’

A autobiografia bombástica do ex-pastor enfrentou a concorrência de repercussão do episódio do então bispo Sérgio Von Helde, que durante um programa da Universal transmitido pela televisão, chutou uma imagem da padroeira dos católicos brasileiros.

A repercussão do episódio foi tão intensa – uma vez que em 1994, época do incidente, 75% dos brasileiros acima de 16 anos se declarava católico – e perdurou por tanto tempo, que ajudou a ofuscar as acusações de Justino contra Macedo e o corpo de pastores da Universal.

Em 2020 surgiu uma proposta para tornar a autobiografia do ex-pastor em filme. O retrato da Universal feito pelo autor no livro é que a instituição é um comércio comum, que à época vendia “sal que tira vício, lencinhos molhados no ‘vinho curativo’ – o conhecido Ki-Suco –, água da Embasa, que dizíamos ter vindo do rio Jordão, azeite Gallo, que dávamos ao povo como legítimo óleo ungido proveniente de Jerusalém, e uma longa lista de outros produtos tão falsos quanto as gotas de leite extraídas dos seios da Virgem Maria, que eram vendidas na Europa nos primeiros séculos, aos otários em busca de milagre”.

A nova edição do livro traz uma modificação em relação ao título original: agora, insere a íntegra da decisão judicial que autorizou a circulação de Nos Bastidores do Reino, e deve atrair olhares sobre as acusações feitas por Mário Justino.

O autor afirma nessa nova edição que seu relato “acabou por revelar ao público, a partir de um olhar de dentro, os primeiros 14 anos de existência de um dos grandes fenômenos do Brasil contemporâneo: o império religioso erguido por Edir Macedo, e sua posterior transformação em poder midiático e força política abrangente no país”.

“No livro eu falo do grupo de pastores ‘notáveis’ que recebiam tratamento diferenciado como recompensa pela habilidade de arrecadar grandes somas de dinheiro. Eles ganhavam bons carros, bons salários, viagens para Israel, apresentavam os programas de televisão, e isso causava ressentimento nos pastores de periferia que não conseguiam levantar a mesma quantidade de ofertas para terem direito a essas benesses. Na minha época, os notáveis geralmente eram cariocas. Em Angola, eram os brasileiros”, disse Justino em entrevista à Folha, referindo-se à crise da Universal no país africano.

Oportunismo

Para Justino, o apoio de Edir Macedo e a Igreja Universal ao presidente Jair Bolsonaro é momentâneo e movido por oportunismo.

“Não acredito que o apoio da instituição ao bolsonarismo seja irreversível, apesar de todos os benefícios que recebe do governo […] [Fernando] Collor também foi bondoso com eles, concedendo a Record, e foi abandonado. Dilma [Rousseff] deu ministérios no seu governo [Crivella foi seu ministro da Pesca] e acabou traída por eles”, argumentou.

“A Universal não tem ideologia política, ela fica ao lado de quem tem o poder ou sinaliza que irá alcançá-lo. Se Bolsonaro demonstrar fraqueza para as próximas eleições, eles não terão o mínimo constrangimento de aliar-se ao Lula novamente ou a quem quer que seja”, alertou o ex-pastor.

A Igreja Universal afirmou, através da assessoria de imprensa, que não comentará as acusações de Justino “pois não teve acesso a esta nova edição da obra e tampouco recebeu qualquer notificação da decisão judicial que, supostamente, teria liberado sua publicação”.





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