Lula acena ao centro e quer colocar o PT na rua, mas pandemia impede o clima de caravana

by @prflavionunes

É hora “de botar nossa gente para andar”. Em outros tempos, esse chamamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feito na aparição de mais duas horas que capturou TVs e redes sociais nesta quarta-feira, teria causado furor entre os militantes do Partido dos Trabalhadores. Com o coronavírus ditando os rumos do país, no entanto, o clima do partido ainda não é de caravana para promover o candidato natural do partido em 2022 ―o petista, como esperado, evitou se dizer na disputa presidencial no discurso em seu berço político, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. “A meta é andar com a divulgação do Plano de Reconstrução do Brasil”, esclarece Alberto Cantalice, membro do Diretório Nacional do PT.

O documento da Fundação Perseu Abramo ―um conjunto de propostas construídas por vários intelectuais a respeito do futuro do Brasil―, é a aposta do partido para negociar uma frente ampla para as eleições de 2022. Por enquanto, à frente desse movimento está Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo, que ficou responsável por levar o estandarte do partido em andanças pelo país para azeitar novas articulações. Haddad confirmou que há cerca de um mês, após Lula pedir “o bloco na rua”, o partido definiu um cronograma de ação, que começou com seu encontro com Alexandre Kalil (PSD-MG), prefeito de Belo Horizonte, em 25 de fevereiro.

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Kalil é visto como um aliado importante nas eleições presidenciais de 2022 e não só pelos petistas. O prefeito de Belo Horizonte já se encontrou neste ano com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). “Kalil é um democrata, não está no campo bolsonarista e está tendo atitude muito pró-ativa na questão da pandemia. Belo Horizonte é um dos exemplos exitosos da luta contra esse terraplanismo anticientífico de Bolsonaro”, afirma Cantalice. O prefeito da capital mineira negou que a agenda com Haddad tivesse como tema as eleições. “Foi uma conversa gentil, não se tratou de 2022, porque isso não é hora”, disse ao jornal O Estado de Minas. A agenda, de todo modo, casa com o discurso de Lula nesta quarta, quando fez aceno a todos os espectros ideológicos e disse que é preciso conversar com empresários e com políticos de vários matizes no Congresso ―apesar das críticas aos preços dos combustíveis, um terror do mercado, era uma mensagem aos agentes econômicos de que não era ele o radical na praça.

A segunda escala de Haddad será o Rio de Janeiro. O ex-ministro da Educação de Lula viajaria nesta quinta-feira, 10, para um encontro com Marcelo Freixo (PSOL-RJ). “Sempre tivemos muito boa relação com o Freixo, inclusive, achamos que ele é uma grande liderança no Rio”, disse o dirigente petista. A agenda, no entanto, foi cancelada e deve ficar para a próxima semana. No Rio, Haddad também deve encontrar líderes religiosos. “Aumentou muito o número de mortes e infecções e então estamos evitando fazer eventos, mas nossa meta é cair na estrada”, diz Cantalice. A pandemia também fez o partido postergar a viagem de Haddad ao Nordeste, que aconteceria neste mês.

À espera da vacina

A chance de o próprio Lula entrar em campo em eventos presenciais no curto prazo ainda é pequena. O ex-presidente contou nesta terça que vai tomar a vacina contra a covid-19 nos próximos dias. Mas o PT prefere a cautela. Mesmo Lula tomando todas as precauções, ele é um fator de aglomeração. “Aonde ele vai, ele arrasta muita gente”, lembra Cantalice.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, conhece bem o potencial de Lula de atrair multidões. Mesmo em uma fase crítica da pandemia, foi preciso rejeitar o intento de apoiadores de organizar caravanas para acompanhar o primeiro pronunciamento livre de Lula à imprensa. O eco modesto das palmas dos cerca de 50 militantes que acompanhavam a coletiva de imprensa, em meio a uma avalanche de repórteres, nem de longe lembrava a ovação a que o presidente está acostumado. Seja como for, nem Lula nem o PT abriram mão de fazer um coreografado evento presencial, cheio de protocolos e com uso de máscara, mesmo o Estado de São Paulo estando no auge da pandemia e na fase vermelha, a mais restritiva para a circulação de pessoas.

“Lula vai cumprir tudo o que manda a ciência, usar máscara, tomar vacina e quando o grupo de risco dele puder movimentar, ele vai sair. Por enquanto é momento de entrevistas e vídeos”, explica Cantalice. O plano original do PT, aliás, não contava com o ex-presidente na linha de frente da articulação. “Ninguém esperava essa ação do [ministro Edson] Fachin. Ficamos cinco anos batendo na tecla de que era uma perseguição.” O ministro do Supremo Tribunal Federal anulou na segunda-feira as condenações de Lula feitas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, o que devolveu os direitos políticos do petista.

O aceno de Maia e “socialismo petista”

A medida de Fachin, seguida do retorno à pauta do Supremo do julgamento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que estava empatada com dois votos à favor e dois contra, antes do ministro Nunes Marques pedir vista, abriu novas possibilidades de articulação do PT para uma futura candidatura de Lula. A surpresa do dia ficou com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia. Em rede social, ele apontou diversas diferenças entre Lula e Bolsonaro. “Um tem visão de país; o outro só enxerga o próprio umbigo. Um defende a vacina, a ciência e o SUS; o outro defende a cloroquina e um tal de spray israelense. Um defende uma política externa independente; outro defende a subserviência. Um defende política ambiental; outro a política da destruição. Um respeita e defende a democracia; o outro não sabe o que isso significa. Um fundou um partido e disputou quatro eleições; o outro é um acidente da história”, escreveu Maia.

Os petistas se empolgaram com a sinalização do deputado. “Maia assim como Eduardo Paes fazem parte de uma turma que não têm relação com a ultradireita de Bolsonaro. Eles divergem com a gente no programa, mas estão alinhados na defesa da democracia”, diz Cantalice.

José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça de Lula, também gostou do movimento do deputado. “Acho que existe um campo de diálogo ainda a ser explorado. Vejo a sociedade brasileira dividida entre os que têm matriz autoritária, para não dizer fascista, e aqueles que defendem a democracia, seja de centro ou esquerda”, diz. “O que o Rodrigo Maia disse hoje é uma verdade indiscutível, inclusive para quem tem uma posição mais à direita”.

O caminho do PT para voltar a atrair o centro da esfera política, no entanto, ainda não está claro para além do discurso de Lula que frisou: “Não tenham medo de mim”. O ex-presidente fez questão de tender pontes a grupos não tradicionalmente ligados ao PT, como os policiais e as Forças Armadas, por exemplo. Disse que eram as corporações que precisavam de bons armamentos, e não a população geral como prega Bolsonaro.

Por enquanto, o partido já vem reconfigurando suas bandeiras para se adaptar às novas demandas sociais. No Plano de Reconstrução do Brasil o partido aposta no que chama de “socialismo petista”, ou seja, que visa construir “com o apoio das maiorias populares, uma nova sociedade, livre, plural e solidária”, fora do escopo da sociedade capitalista neoliberal, considerada “injusta, excludente, discriminatória”.

Em seu novo plano de Brasil, o PT se apropria de temas que não são bandeiras tradicionais suas, mas são indissociáveis da militância progressista atual, como o combate ao racismo, o respeito às identidades de gênero, além da livre orientação sexual, bem como a temática do meio ambiente e mudança climática. Em seu discurso, Lula incluiu menções à desigualdade racial e aos direitos LGBT, o que não eram frequentes antes. Até mencionou o meio ambiente, mas não conectou isso com uma política de desenvolvimento econômico: Petrobras e venda de carros ainda reinaram absolutos.

O combate à corrupção também não foi esquecido, inclusive, com proposta de medidas para que sejam aprimoradas as leis que responsabilizam instituições financeiras que colaborem com a ocultação e evasão de fortunas obtidas por meio da corrupção, um dos pontos mais criticados da Operação Lava Jato, que foi severa com as construtoras, mas optou por blindar os bancos.

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