Na iminência do colapso dos hospitais, São Paulo fica sem plano B para obter leitos contra a covid-19

by @prflavionunes

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“Estamos fazendo o melhor. Mas tudo tem limite. Recursos, recursos humanos, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, espaços em UTI para aumentar… Nós temos o risco de colapsar.” O alerta foi dado nesta sexta-feira por Jean Gorinchteyn, secretário da Saúde de São Paulo. O Governo João Doria (PSDB) já admite o pior: em 20 dias o Estado de São Paulo pode assistir a um colapso das redes pública e privada de hospitais caso o ritmo de novas internações por covid-19 em UTIs —hoje de 100 novos pacientes por dia— continue crescendo. Não há plano B caso a estrutura de saúde robusta do Estado mais rico do país não aguente a demanda, já que agora o expediente de ampliar leitos está no limite e os casos graves de coronavírus disputam vagas com pacientes graves de outras doenças. Para piorar, não é apenas São Paulo que flerta com a crise aguda: Estados de todas as regiões enfrentam taxas altíssimas de ocupação dos leitos de atenção especializada.

O Governo mostrou nesta sexta algumas cifras que mostram a evolução do número de internações e dão a dimensão da preocupação. Em 11 de fevereiro, havia 5.982 pessoas internadas em todo o território paulista. Em 25 de fevereiro, duas semanas depois, 6.767 pessoas. Desde 19 de fevereiro o Estado vem batendo recordes diários de pessoas internadas. O último havia sido registrado em julho do ano passado, no pico da primeira onda, quando 6.250 pessoas estiveram internadas no Estado.

A taxa de ocupação de leitos de UTI voltados para a covid-19 atingiu 70,4% em todo o território paulista. Na Grande São Paulo, o índice ficou em 70,8%. Mas os Departamentos Regionais de Saúde (DRS) de Presidente Prudente, Bauru e Araraquara já registram uma taxa de ocupação de leitos de UTI superior a 90%. Nesta última cidade, a ocupação máxima fez com que o prefeito decretasse um rígido lockdown em que até os serviços considerados essenciais encontraram limites de funcionamento.

Em hospitais públicos de referência, a situação é menos pior, mas ainda assim bastante preocupante. No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, referência no tratamento de covid-19, a taxa de ocupação gira em torno de 80% dos 200 leitos de UTI destacados para o tratamento da doença em suas três unidades, informou ao EL PAÍS a assessoria de imprensa.

Sem margem para aumentar leitos

No Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 45 leitos de UTI de um total 56 destacados para a covid-19 estão ocupados, uma taxa de cerca de 80% também. “O problema é que estamos no limite de infra e pessoal”, explica o cardiologista Benedito Carlos Maciel, superintendente do hospital. Aumentar o número de leitos sempre foi uma das principais medidas de São Paulo, o Estado mais rico e com a maior rede de atenção público e privada. Houve um aumento de 140% do números de leitos de UTI do SUS no território paulista. O total é de 8.500 vagas. Mas mesmo essa opção parece estar se esgotando, como indicou o alerta de Gorinchteyn acima. Maciel explica: “Temos outros 40 leitos voltados para outras doenças e que estão lotados. Para abrir mais leitos para a covid-19, vamos ter de tirar desses outros pacientes.”

O médico ainda recorda que, durante a primeira onda da pandemia, pessoas deixaram de fazer exames ou cirurgias eletivas. À medida que o tempo foi passando, algumas condições foram se agravando. “Teríamos que deslocar leitos de pacientes graves, alguns com doenças crônicas, para outros igualmente graves. É uma escolha muito complicada de se fazer, porque quem não está com covid-19 também está em estado grave”, explica o médico.

Outra opção que sempre esteve no horizonte é requisitar leitos da rede privada para serem usados no SUS. Até agora, privados vinham conseguindo atravessar a pandemia de coronavírus sem grandes dificuldades, mas esse caminho também parece estar se esgotando. A ocupação de leitos no Hospital Israelita Albert Einstein, um dos principais centros privados do país, localizado na capital paulista, chegou a 104% nesta sexta-feira. Esta cifra incluí tanto os leitos de UTI como os clínicos, sejam voltados para a covid-19 ou para outros tratamentos. Um total de 141 pessoas estão internadas com a doença. Somente nesta quinta-feira foram internadas 26 pessoas, um recorde. E as pessoas que não conseguem vaga precisam esperar na unidade de Pronto Atendimento até vagar uma cama, informou ao EL PAÍS a assessoria de imprensa. “Está muuuito, muuuito crítico”, afirmou a assessoria.

O Sírio-Libanês, outro hospital privado de referência, contabilizada até quinta-feira à noite uma fila de 22 pessoas que buscavam vaga na UTI para covid-19, informou o colunista Lauro Jardim, do Jornal O Globo. É a maior espera desde o início da pandemia. A UTI possui 50 pacientes com covid-19 e atingiu 100% de sua capacidade. Em leitos de enfermaria estão outros 105 pessoas com covid-19.

Para tentar conter o ritmo de novas internações, Doria vem adotando medidas que especialistas acreditam ser pouco eficazes. Na última quarta-feira, o tucano anunciou um reforço da fiscalização de festas clandestinas e aglomerações e anunciou um “toque de restrições” entre 23h e 5h entre 26 de fevereiro e 14 de março. Nesta sexta-feira, sua gestão reforçou ainda mais as restrições ao atualizar o Plano São Paulo, política que regula o nível de restrições no Estado.

A Grande São Paulo, por exemplo, passou da fase amarela (terceira mais restritiva) para a laranja (segunda mais restritiva). Já a região de Marília passou da laranja para a vermelha, na qual somente serviços essenciais estão autorizados a funcionar. Assim, oito regiões (76% da população) se encontraram agora na fase laranja, seis regiões (15% da população) na fase vermelha e somente três regiões (9% da população) na amarela. Na laranja, os serviços não essenciais podem funcionar por até 8 horas diárias até no máximo 20h. Na amarela, comércios podem funcionar por até 12 horas até 22h.

O EL PAÍS contactou a Secretaria Estadual da Saúde e a assessoria do Governo estadual perguntando sobre quais outras medidas são estudadas para evitar o colapso, além das já anunciadas, mas ficou sem resposta até a publicação desta reportagem.

Iminente colapso de norte a sul

O fantasma do colapso também ameaça outros Estados e capitais. De acordo com o último boletim da Fiocruz, com dados de até 22 de fevereiro, as taxas de ocupação de leitos de UTI para covid-19 ainda são muito preocupantes no Norte, semanas depois do colapso da rede de Manaus. Rondônia (97,1%), Acre (88,7%), Amazonas (94,6%) e Roraima (82,2%) estão numa zona de alerta considerada crítica enquanto o Pará (76,0%), Amapá (62,3%) e Tocantins (74,1%) na zona de alerta intermediária.

No Sul, as taxas de ocupação de leitos de UTI também são críticas nos três Estados: até 22 de fevereiro, o Paraná possuía um índice de 91,9%; Santa Catarina, de 93,4%; e o Rio Grande do Sul, de 83,6%. No Centro-Oeste, Goiás e o Distrito Federal se aproximam de uma taxa de ocupação de 90%.

No Nordeste, explica o boletim, Ceará (92,2%) e Pernambuco (85,0%), Rio Grande do Norte (81,4%) e a Bahia (80,2%) também estão na zona de alerta crítica. Em Natal, pacientes já precisam esperar por vagas em ambulâncias. Já o Maranhão (77,7%) e o Piauí (77,2%) permanecem na zona de alerta intermediária junto com Paraíba (62,4%), Alagoas (65,8%) e Sergipe (61,2%).

No Sudeste, todos os Estados rondam uma taxa de ocupação de 70%. “Na primeira onda, as regiões metropolitanas foram as primeiras afetadas. Depois, as cidades médias e as menores. Existia uma hierarquia. Dessa vez, acontece tudo ao mesmo tempo. Chamamos esse fenômeno de sincronicidade”, explica o sanitarista da Fiocruz Christovam Icict. “Partido para as políticas de controle, uma das medidas que deveriam ser adotadas é a de restrição entre cidades. Ceará adotou isso com algum sucesso. Em vários países da Europa e a China, foi possível segurar a pandemia porque se restringiu o transporte entre cidades”, argumenta.

Icict também argumenta que as unidades de atenção primária precisam fazer uma melhor triagem dos pacientes que de fato precisam de hospital. Mas a principal medida a ser adotada para evitar o colapso, assegura ele, ainda é a de restringir a circulação de pessoas e buscar alternativas de renda, como o auxílio emergencial, para trabalhadores informais. “Não é só uma questão de horário, tem que fiscalizar o dia inteiro”, explica o especialista sobre as medidas de toque de recolher que Estados vem adotando nas madrugadas. “São Paulo ainda é mais ou menos organizado. Se uma cidade ao lado fecha o comércio e ao lado abre o comércio, gera fluxo. É preciso ter uma coordenação regional”, explica.

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