Poupado! — Um sermão proferido por Charles Haddon Spurgeon

by @prflavionunes

Ezequiel 9:1-11

1Então, me gritou aos ouvidos com grande voz, dizendo: Fazei chegar os intendentes da cidade, cada um com as suas armas destruidoras na mão.2E eis que vinham seis homens a caminho da porta alta, que olha para o norte, cada um com as suas armas destruidoras na mão, e entre eles, um homem vestido de linho, com um tinteiro de escrivão à sua cinta; e entraram e se puseram junto ao altar de bronze.3E a glória do Deus de Israel se levantou do querubim sobre o qual estava, até à entrada da casa; e clamou ao homem vestido de linho, que tinha o tinteiro de escrivão à sua cinta.4E disse-lhe o Senhor: Passa pelo meio da cidade, pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal as testas dos homens que suspiram e que gemem por causa de todas as abominações que se cometem no meio dela.5E aos outros disse, ouvindo eu: Passai pela cidade após ele e feri; não poupe o vosso olho, nem vos compadeçais.6Matai velhos, e jovens, e virgens, e meninos, e mulheres, até exterminá-los; mas a todo o homem que tiver o sinal não vos chegueis; e começai pelo meu santuário. E começaram pelos homens mais velhos que estavam diante da casa.7E disse-lhes: Contaminai a casa, e enchei os átrios de mortos, e saí. E saíram e feriram na cidade. 8Sucedeu, pois, que, havendo-os eles ferido, e ficando eu de resto, caí sobre a minha face, e clamei, e disse: Ah! Senhor Jeová! Dar-se-á o caso que destruas todo o restante de Israel, derramando a tua indignação sobre Jerusalém? 9Então, me disse: A maldade da casa de Israel e de Judá é grandíssima, e a terra se encheu de sangue, e a cidade se encheu de perversidade; eles dizem: O Senhor deixou a terra, o Senhor não vê.10Pois também, quanto a mim, não poupará o meu olho, nem me compadecerei; sobre a cabeça deles farei recair o seu caminho.11E eis que o homem que estava vestido de linho, a cuja cinta estava o tinteiro, tornou com a resposta, dizendo: Fiz como me mandaste.

POUPADO!

Ficando eu de restoEzequiel IX. 8

INTRODUÇÃO

A visão de Ezequiel, registrada no capítulo anterior, trouxe à luz as abominações da casa de Judá. A visão que se segue neste capítulo mostra a terrível retribuição que o Senhor Deus trouxe sobre a nação culpada, começando em Jerusalém.

Ele viu os abatedores saírem com suas armas, marcou-os para começar o trabalho de destruição no portão do templo, viu-os prosseguir pelas ruas principais sem omitir uma única viela; mataram totalmente todos aqueles que não estavam marcados com a marca do tinteiro do escritor em suas frontes. Ele ficou sozinho – aquele profeta do Senhor – poupado no meio da carnificina universal; e quando as carcaças caíram a seus pés, e os corpos manchados de sangue estavam ao seu redor, ele disse: “Fiquei eu de resto”. Ele ficou vivo entre os mortos, porque foi encontrado fiel entre os infiéis; ele sobreviveu no meio da destruição universal, porque ele havia servido a seu Deus no meio da depravação universal.

Agora, separaremos a frase completamente da visão de Ezequiel e nos apropriaremos dela; e penso que, quando a lemos e repetimos: “Fiquei eu de resto”, ela muito naturalmente nos convida a fazermos uma retrospectiva do passado, muito prontamente também sugere uma perspectiva do futuro e, penso eu, também nos permite um contraste terrível reservado aos impenitentes.

I. Antes de tudo, meus irmãos, temos aqui uma reflexão comovente, que parece nos convidar a fazer UM RETROSPECTO SOLENE: “Fiquei eu de resto.”

Vocês se lembram, muitos de vocês, de tempos de enfermidade, quando a cólera estava nas suas ruas. Vocês podem se esquecer daquela época de pestilência, mas eu nunca consigo; quando os deveres do meu pastorado me chamavam continuamente para caminhar entre suas famílias assoladas pelo terror e ver os moribundos e os mortos. Gravado em meu jovem coração deve sempre permanecer algumas daquelas cenas tristes que testemunhei quando cheguei a essa metrópole, e naquela época trabalhava mais para enterrar os mortos do que abençoar os vivos. Alguns de vocês passaram não apenas por uma temporada de cólera, mas por muitas, e também estiveram presentes em ambientes onde a febre prostrou centenas e onde a praga e outras doenças terríveis esvaziaram suas aljavas, e toda flecha encontrou seu alvo no coração de algum de seus companheiros. No entanto, você ficou de resto. Você andou entre os túmulos, mas não caiu em um deles. Doenças ferozes e fatais espreitavam em seu caminho, mas elas não tinham permissão para devorá-lo. Os projéteis da morte passaram zumbindo por seus ouvidos, e você ainda ficou vivo, pois sua bala não tinha por destino o seu coração. Alguns de vocês podem olhar para trás, durante cinquenta, sessenta, setenta anos. Suas cabeças calvas e cinzentas contam a história de que vocês não são mais recrutas inexperientes na guerra da vida. Vocês se tornaram veteranos, se não inválidos, no exército. Vocês estão prontos para se aposentar, tirar suas armaduras e dar lugar a outros. Assim eu digo, olhem para trás, irmãos, vocês que entraram no outono da vida; lembre-se das muitas estações em que vocês viram a morte saudando multidões a seu redor; e pense: “Fiquei eu de resto”. E nós também, que somos mais jovens, em cujas veias o sangue ainda pulsa em vigor, podemos lembrar de tempos de perigo, quando milhares caíram ao nosso redor, todavia, podemos dizer, na casa de Deus, com grande ênfase: “Fiquei eu de resto” – fui preservado, ó grande Deus, quando muitos outros pereceram; fui sustentado, de pé sobre a rocha da vida quando as ondas da morte deram contra mim, o seu borrifo caiu pesadamente sobre mim, e meu corpo estava saturado de doenças e dores, mas ainda sim estou vivo – habilitado ainda a se misturar com as movimentadas tribos de homens.

Agora, então, o que esse retrospecto sugere? Não deveria, cada um de nós, fazer a seguinte pergunta: Para que fui eu poupado? Por que fiquei eu de resto? Naquela época, muitos de vocês estavam e alguns de vocês ainda estão mortos em delitos e pecados! Você não foi poupado por causa da sua proficuidade, pois não produziu nada além das uvas de Gomorra. Certamente Deus não poupou a espada por causa de algo bom em você. Uma multidão de males alvoroçados em sua disposição, ou até mesmo em sua própria conduta, poderiam muito bem exigir sua execução sumária. Você foi poupado. Deixe-me perguntar o porquê? Seria por causa da misericórdia que ainda pode visitá-lo – da graça que ainda pode renovar sua alma? Seria essa a sua constatação? Teria a graça soberana vencido você, derrotado seus preconceitos, derretido seu coração gelado, quebrado sua vontade inflexível em pedaços? Diga pecador, ao olhar para trás no tempo em que você ficou de resto, foi você poupado para ser salvo com uma grande salvação?

E se você não pode dizer “Sim” a essa questão, deixe-me perguntar se ainda não poderá ser assim? Ó alma, por que Deus te poupou por tanto tempo, enquanto você ainda é seu inimigo, um estranho e um alguém distante Dele por causa de suas obras perversas? Ou, pelo contrário, teria Ele te poupado – e eu tremo com a simples menção da possibilidade – teria Ele prolongado seus dias para que suas inclinações fossem desenvolvidas, para que você ficasse mais maduro para a condenação – para que você pudesse alcançar a visível medida de sua iniquidade, e depois descer à cova como um pecador cauterizado e ressequido, como madeira pronta para o fogo? Seria esse o caso? Serão esses momentos de preservação estragados por mais delitos, ou serão entregues ao arrependimento e à oração? Agora, antes que o último dos seus pecados se dê em trevas eternas, voltaria você seus olhos para Ele? Se este for o caso, você terá motivos para bendizer a Deus por toda a eternidade uma vez que você ficou de resto, porque você ficou de resto para que ainda pudesse procurar e ainda pudesse encontrar Aquele que é o Salvador dos pecadores.

Acaso não falo eu com muitos de vocês que são cristãos, os quais também ficaram de resto? Quando os santos melhores do que vocês foram arrancados dos vínculos terrenos e dos laços familiares – quando estrelas mais brilhantes do que vocês foram encobertas pela noite, não teve você permissão para ainda brilhar com seu pobre raio vacilante? Por que assim foi, ó grande Deus? Por que fiquei eu de resto neste momento? Deixe-me fazer a mim mesmo essa pergunta. Ao me poupar por tanto tempo, meu Senhor, não tens algo a mais para que eu faça? Não haveria algum propósito, ainda não concebido em minha alma, o qual você ainda apontará para mim, para cuja realização ainda me dará graça e força, e me poupará ainda um pouco mais? Acaso sou eu ainda imortal, ou pelo menos protegido de todas as flechas da morte, por que meu trabalho ainda está incompleto? Acaso a contagem dos meus dias é prolongada porque a tarefa a ser realizada ainda não chegou a sua completude? Então me mostre o que o Senhor gostaria que eu fizesse? Uma vez que fiquei eu de resto, ajude-me a me perceber como um homem especialmente consagrado, deixado por um propósito, reservado para algum fim, do contrário, tenho sido eu comida para vermes há muitos anos, e meu corpo se volta, desfazendo-se, em direção à mãe terra. Cristão, assim eu digo, sempre esteja se fazendo essa pergunta; mas se faça essa pergunta especialmente quando você for preservado em tempos de doenças e mortalidade incomuns. Se fiquei eu de resto, por que assim fiquei eu? Por que não fui levado para minha moradia celestial? Por que não entrei em meu descanso? Grande Senhor e Mestre, mostre-me o que você quer que eu faça e me dê graça e força para fazê-lo.

Vamos mudar o foco do retrospecto por um momento e olhar para a misericórdia poupadora de Deus sob outro prisma. “Fiquei eu de resto.” Alguns de vocês aqui presentes, cuja história eu conheço bem, podem dizer: “Fiquei eu de resto” e dizê-lo com ênfase especial. Você nasceu de pais ímpios; as primeiras palavras que você pode se recordar são palavras sórdidas e blasfemas, demasiadamente más para serem repetidas. Você pode se lembrar de como o primeiro suspiro que seus pulmões receberam foi o ar contaminado – o ar do vício, do pecado e da iniquidade. Você cresceu, juntamente com seus irmãos e suas irmãs, lado a lado; vocês encheram o lar de pecado, você e seus irmãos prosseguiram em seus crimes juvenis e se motivaram em maus hábitos. Assim, vocês cresceram até a idade adulta, e então se uniram em laços de malícia como também em laços de consanguinidade. Vocês aumentaram em número; acolheram novos associados. À medida que seu círculo familiar aumentava, do mesmo modo evidenciava-se ainda mais sua conduta. Todos vocês conspiraram para quebrar o Sábado; vocês engendraram o mesmo esquema e perpetraram as mesmas impropriedades. Talvez vocês possam se lembrar da época em que sempre se costumavam fazer convocações aos Domingos, e um desdém pela piedade era expresso em resposta a tal convocação. Vocês se lembram como um e outro de seus antigos camaradas morreram; vocês os seguiram até suas sepulturas, e sua alegria contida por um pouco de tempo, logo eclodiu novamente. Então uma irmã morreu, mergulhada até os lábios em infidelidade; depois disso, um irmão padeceu; ele não tinha esperança em sua morte, tudo para ele era escuridão e desespero. E assim, pecador, você viveu mais que todos os seus camaradas. Se você está disposto a ir para o inferno, deve seguir por uma trilha já traçada; um caminho que, ao olhar para trás, na trilha que já percorreu, está manchado de sangue; para que você possa se lembrar de como tudo isso foi antes de você ir para a sepultura, em tristeza sombria, sem um indício ou vislumbre de alegria.

E agora você ficou de resto, pecador, e louvado seja Deus, para que talvez você possa dizer: “Sim, e não apenas fiquei eu de resto, mas estou aqui na casa de oração; e se eu conheço meu próprio coração, não há nada que eu deva odiar a tal ponto que não o viver minha antiga vida novamente. Aqui estou eu, e nunca acreditei que estaria aqui. Olho com tristeza no passado em direção àqueles que partiram; mas, apesar de lamentá-los, expresso minha gratidão a Deus por não estar em tormentos – não no inferno – mas ainda estou aqui; sim, e não apenas aqui, mas tendo a esperança de que um dia verei a face de Cristo e permanecerei em meio a mundos resplandecentes vestido em Sua justiça e preservado por Seu amor.” Você então ficou de resto; e o que deveria você dizer? Deveria você se gabar? Ah não; seja duplamente humilde! Deveria você levar a glória para si mesmo? Não; coloque a coroa sobre a cabeça da livre, rica e imerecida graça. E o que deveria você fazer acima de todos os outros homens? Você deve ser duplamente comprometido em servir a Cristo. Como você serviu o diabo por toda parte, até que você veio a servi-lo exclusivamente, e como seus companheiros todos partiram, então, pela graça divina, que você se comprometa com Cristo – se comprometa a segui-Lo, ainda que todo o mundo o desprezasse, que você se comprometa a aguentar até o fim, e mesmo se todo aquele que professar fé se tornar apóstata, ainda assim possa ser dito de você: “Ele ficou de resto; sozinho perdurou em pecado enquanto seus companheiros morreram; e então sozinho perdurou em Cristo quando seus companheiros o abandonaram.” Assim, entre vocês, deve-se sempre ser dito: “Ele ficou de resto.”

Isso ainda sugere mais uma abordagem ao mesmo retrospecto. Que providência mais especial guardou alguns de nós, e guardou nossas fracas estruturas! Alguns de vocês, em particular, ficaram de resto com tal idade que, ao recordar seus dias de juventude, lembram-se muito mais de seus parentes no túmulo do que aqueles que permanecem no mundo, lembram-se mais daqueles debaixo da terra do que aqueles que acima dela ficaram. Nos seus sonhos você é aquele associado aos mortos. Ainda assim, você foi deixado de resto. Preservado em meio a mil perigos da infância, depois mantido em sua juventude, guiado com segurança sobre os bancos de areia e as areias movediças de uma idade imatura, e sobre as rochas e recifes da idade viril, você foi levado para além do período comum da vida mortal e, apesar disso, você ainda está aqui. Setenta anos expostos à morte continuamente, e ainda preservados até que você tenha chegado quase, e talvez, aos seus oitenta anos. Você ficou de resto, meu querido irmão, e por que então ficou de resto? Por que assim é, irmãos e irmãs, que tudo tenha passado? Por que assim é que seus antigos colegas de escola gradualmente diminuíram em número? Você não pode se recordar de alguém que, estando vivo, tenha sido seu companheiro na juventude. Como é que agora você, que viveu um período bom e prolongado de tempo, vê novos nomes em todas as portas da loja, vê novos rostos na rua e vê renovado tudo aquilo que você viu nos seus dias de juventude? Por que você foi poupado? Seria você um homem não convertido? Seria você uma mulher não convertida? Para qual propósito você foi poupado? Será que assim foi para que você pudesse ser salvo na décima primeira hora? Deus conceda que assim seja para você! Ou então será você poupado até ter conduzido a si próprio em pecado para as profundezas mais baixas do inferno, para que você possa ir para lá como o pior pecador por causa dos repetidos avisos frequentemente negligenciados – você é poupado por isso, ou será que assim é para que ainda possa ser salvo?

Mas você é um cristão? Então não é difícil para você responder à pergunta: “Por que você foi poupado?” Não acredito que exista uma mulher idosa na terra, morando no chalé mais obscuro da Inglaterra, e sentada esta noite em um sótão escuro, com sua vela apagada, sem meios para comprar outra – não acredito que aquela mulher seria mantida fora do céu por cinco minutos, a menos que Deus tivesse algo para ela fazer na terra; e eu não acho que aquele homem de cabelos grisalhos ainda seria preservado aqui, a menos que houvesse algo para ele fazer. Diga, diga, homem já idoso; conte a história dessa graça preservadora que o manteve vivo até agora. Diga aos seus filhos e aos filhos deles que Deus é este em quem você confiou. Levante-se como um patriarca respeitável e conte como Ele te libertou em seis problemas, e em sete nenhum mal pode tocá-lo, e dê às próximas gerações seu fiel testemunho de que Sua palavra é verdadeira e que Sua promessa não pode falhar. Apoie-se em seu cajado e diga antes de morrer em meio a sua família: “Nada de bom falhou em tudo o que o Senhor Deus prometeu”. Que seus dias maduros produzam um suave testemunho de Seu amor; e, à medida que você avança em dias cada vez mais, que você também avance cada vez mais no conhecimento e na garantia confirmada da imutabilidade de Seu conselho, da veracidade de Seu juramento, da preciosidade de Seu sangue e da certeza da salvação de todos aqueles que confiam nEle. Então saberemos que você é poupado para um sublime e nobre propósito. Você o dirá com lágrimas de gratidão e ouviremos com sorrisos de alegria: “Eu fiquei de resto.”

II. Devo indicar esses retrospectos em vez de lhes dar seguimento, no entanto, se o tempo permitir, podemos muito bem ampliá-los fartamente e, portanto, devo me apressar em convidá-lo a UM PROSPECTO.

Você e eu logo passaremos deste mundo para outro. Esta vida é, por assim dizer, como uma embarcação; estamos sendo transportados, e em breve chegaremos à verdadeira costa, à verdadeira terra firme, pois aqui não há nada substancial. Quando adentrarmos ao próximo mundo, temos que esperar, eventualmente, uma ressurreição tanto dos justos quanto dos injustos; e naquele dia solene devemos esperar que todos os que habitam na face da terra sejam reunidos em um só lugar. E Ele virá, aquele que veio uma vez para sofrer, Ele virá para julgar o mundo em justiça e os povos em equidade. Aquele que veio como uma criança virá como o Eterno. Aquele que esteve deitado envolto em faixas de pano virá cingido à altura do peito com uma cinta de ouro, uma coroa de arco-íris e mantos de tempestade. Ali estaremos todos, uma vasta e inumerável comitiva; a terra será coroada desde a base mais profunda de seu vale até o cume da montanha, e as ondas do mar se tornarão na sólida estância de homens e mulheres que dormiram sob suas torrentes. Então todos os olhos estarão fixos Nele, todos os ouvidos se abrirão para Ele, e todo coração observará com reverência solene e temeroso suspense as realizações do maior de todos os dias, daquele dia dos dias, do selar das eras, naquele concluir da dispensação.

Em esplendor solene e com seus anjos o Salvador vem. Você ouve a voz Dele enquanto Ele brada: “Ajuntai o joio em feixes para queimá-los.” Eis os ceifeiros, eles vêm com asas de fogo! Veja como eles agarram suas foices afiadas, as quais por muito tempo vem sendo polidas no afiador da longanimidade de Deus, mas que se tornaram afiadas no último dia. Você os vê na medida em que eles se aproximam? Lá estão eles derrubando uma nação com suas foices. Os vis idólatras acabaram de cair e uma família de blasfemadores foi esmagada sob os pés dos ceifeiros. Veja ali um bando de bêbados sendo arrastados sobre os ombros dos ceifeiros até o grande fogo ardente. Veja novamente, em outro lugar, o libertino, o adúltero, o impuro e outros semelhantes, amarrados em vastos feixes – feixes cujas cordas nunca serão despedaçadas – e vê-los lançados ao fogo, veja como eles ardem em tormentos indescritíveis daquele abismo; e devo eu ficar de resto? Grande Deus, ficarei eu ali envolto apenas em Sua justiça, a justiça dAquele que se põe como meu juiz de pé no tribunal? Contemplarei eu o Senhor quando os ímpios clamarem: “Rochas, nos escondam; montes, caiam sobre nós”; deverá este olho erguer-se, deverá este rosto ousar se voltar para a face daquele que está assentado no trono? Devo eu permanecer calmo e impassível em meio ao terror e à consternação universal? Devo eu ser contato juntamente à comitiva do bem, que, vestida com o linho branco que é a justiça dos santos, aguardará a comoção, verá os ímpios lançados à destruição e se sentirá e saberá estar segura?

Deve ser assim, ou devo ser eu amarrado em um feixe para queimar e ser varrido para sempre pelo sopro das narinas de Deus, como a palha levada pelo vento? Deve ser um ou outro; mas qual deve ser? Posso eu responder a essa pergunta? Posso eu dizer algo? Eu posso sim dizer – dizer agora -, pois eu tenho neste mesmo capítulo o que me instrui a julgar a mim mesmo. Aqueles que são preservados têm a marca na testa, e eles têm uma disposição tanto quanto uma marca, e sua disposição é que suspiram e choram por todas as abominações dos ímpios. Então, se eu odeio o pecado e suspiro porque os outros o amam – se eu choro porque eu mesmo caí nele por causa da fraqueza – se o meu próprio pecado e o pecado dos outros é uma fonte constante de tristeza e aborrecimento de espírito para mim, então eu tenho aquela marca e aquela evidência daqueles que não suspirarão nem chorarão no mundo vindouro, pois a tristeza e o suspiro desaparecerão. Eu tenho a marca de sangue na minha fronte hoje? Diga, minha alma, acaso você confiou somente em Jesus Cristo, e como fruto dessa fé, tem sua fé aprendido a amar não apenas Aquele que te salvou, mas também a outros que ainda não são salvos? E suspiro eu e choro por dentro enquanto levo por fora a marca do sangue? Venha irmão, venha irmã, respondam isto por si mesmos, eu os exijo; Eu assim os exijo pela terra cambaleante e pelas colunas arruinadas do céu, que certamente tremerão; Peço-lhes pelos querubins e serafins que estarão diante do trono do grande Juiz; pelos relâmpagos resplandecentes que iluminarão a densa escuridão, e deixarão o sol espantado e transformarão a lua em sangue; por Ele cuja língua é como uma chama, como uma espada de fogo; por Aquele que te julgará, e te provará, e lerá seu coração, e declarará seus caminhos, e repartirá com você sua porção eterna; Eu te imploro, pela certeza da morte, pela convicção do julgamento, pelas glórias do céu, pela gravidade do inferno – eu rogo, imploro, ordeno, suplico – pergunte a si mesmo agora: “Ficarei eu de resto? Creio eu em Cristo? Nasci eu de novo? Tenho eu um novo coração e um espírito reto? Ou ainda sou eu o que sempre fui: inimigo de Deus, desdenhador de Cristo, amaldiçoado pela lei, banido do evangelho, sem Deus e sem esperança, um estranho para a comunidade de Israel?”

Não consigo lhe falar tão seriamente quanto faria com Deus. Quero com isso colocar essa pergunta sobre seus próprios lombos e despertar os pensamentos mais profundos do seu coração. Pecador, o que será de você quando Deus peneirar a palha do trigo, qual será a sua porção naquele dia? Vocês que estão na nave lateral deste templo, qual será a sua porção, vocês que estão aglomerados ali, qual será a sua porção, quando Ele vier e nada escapará aos Seus olhos? Diga, você O ouvirá? Diga, e o profundo de sua alma fenderá enquanto Ele proferir o som estrondoso: “Apartai-vos, malditos”; ou será sua sorte feliz – sua alma conduzida o tempo todo com uma felicidade indescritível – para ouvi-lo dizer: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”? Nosso texto revela um prospecto, rogo que você olhe para ele, olhe através do estreito fluxo da morte e diga: “Ficarei eu de resto?” – [Como fala o hinoQuanto Tu, meu justo Juiz, voltar When Thou my righteous Judge shalt come)]:

Quando Tu, meu justo Juiz, voltar

Para Teu remido povo à casa levar,

Devo eu entre eles ser contado?

Um verme tão inútil que eu somente,

Quem vez por outra sofre com a morte temerosamente,

Serei eu, à tua destra, encontrado?

Agora, com eles, amo encontrar,

Perante os teus pés graciosos para se curvar,

Embora seja, dentre todos, o mais calhorda;

Poderia eu suportar o penetrante pensamento:

E se meu nome, de fora, fosse deixado,

Quando Tu por eles fizeres chamada?

Impeça, impeça por Tua graça;

Sê Tu, querido Senhor, minha rocha mais elevada,

Neste dia da aceitação:

Tua voz perdoadora, ó me deixe ouvir,

Para meu medo incrédulo fazer reprimir

nem me deixe cair, está é minha oração.

III. Mas agora chegamos a UM TERRÍVEL CONTRASTE, o qual penso eu ter sugerido no texto: “Fiquei eu de resto.”

Então haverá alguns que não ficarão de resto no sentido em que estamos aqui falando, e ainda assim ficarão de resto de outra maneira mais terrível. Ficarão de resto sem misericórdia, abandonados pela esperança, deixados pelos amigos, e se tornarão presas da fúria implacável, da repentina, eterna e absoluta severidade e justiça de um Deus irado. Mas eles não ficarão de resto ou isentos de julgamento, pois a espada os encontrará; as taças de Jeová atingirão até o coração deles. E aquele fogo, a pilha de lenha e muita fumaça, os devorará repentinamente e irremediavelmente. Pecador, você ficará de resto. Eu digo, ficará você de resto de todas as alegrias que você agora se apega, deixadas de resto por esse orgulho que agora endurece seu coração; você será humilhado o suficiente então. Ficará você de resto daquela estrutura de ferro que agora parece repelir os dardos da morte. Ficará você de resto daqueles seus companheiros que o seduzirão a pecar e o endurecerão na iniquidade. Ficará você de resto por aqueles que prometerem ser seus ajudadores no final. Eles mesmos precisarão de ajudantes, e o homem forte falhará. Ficará você de resto, então, daquela sua agradável imaginação e daquela inteligência jovial, as quais buscam escarnecer das verdades bíblicas e zombar das solenidades divinas. Ficará você de resto, então, de todas as suas esperanças voláteis e de todas as suas delícias imaginárias. Ficará você de resto daquele doce anjo, a Esperança, que nunca abandona ninguém a não ser aqueles que estão condenados ao inferno. Ficará você de resto do Espírito de Deus que hoje, por vezes, intercede por você. Ficará você de resto de Jesus Cristo, cujo evangelho tem sido pregado com tanta frequência em seus ouvidos. Ficará você de resto por Deus Pai; Ele retirará os olhos de piedade sobre você; Seu coração de compaixão não mais ansiará por você; nem o coração de Deus considerará mais seus clamores. Ficará você de resto; mas ó! Mais uma vez vos digo que vós não ficareis de resto como alguém que escapou; pois quando a terra se abrir para engolir os ímpios, ela se abrirá aos teus pés e engolirá a ti. Quando o raio ardente perseguir o espírito que cai no abismo sem fundo, ele haverá de perseguir você, irá alcançá-lo e o encontrará. Quando Deus rasgar os ímpios em pedaços, e não haverá quem os possa livrar, Ele fará você em pedaços; Ele será para você como um fogo consumidor, sua consciência estará cheia de fel, seu coração ficará bêbado de amargura, seus dentes serão quebrados como pedras de cascalho, suas esperanças despedaçadas por Seus raios ardentes, e todas as suas alegrias, por Seu sopro, fenecerão e serão destruídas.

Ó pecador descuidado, ó pecador louco, você que está se precipitando agora para a destruição, por que se fazer de tolo nesse ritmo? Existem maneiras mais fáceis do que essa de zombar de si próprio. Bata com a cabeça contra a parede; vai lá rabiscar, e, como Davi, deixe sua saliva escorrer sobre a barba, mas não deixe que seu pecado caia sobre sua consciência, e não permita que o seu desprezo por Cristo seja como uma pedra de moinho pendurada em seu pescoço, com a qual você será lançado no mar para sempre. Seja sábio, eu rogo a você. Ó Senhor, torne sábio o pecador; sossegue sua loucura por um tempo; deixe-o sóbrio e faça-o ouvir a voz da razão; deixe-o quieto e faça-o ouvir a voz da consciência; torne-o obediente e faça-o ouvir a voz das Escrituras! “Assim diz o Senhor, porque farei isso, considere seus caminhos.” “Prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus.” “Põe em ordem a tua casa, porque morrerás e não viverás” “Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo.”

Realmente sinto que tenho uma mensagem para alguém aqui hoje à noite. Embora possa haver quem ache que o sermão não é apropriado para uma congregação em que há uma proporção tão grande de homens e mulheres convertidos, ainda sim o quão grande é o número dos ímpios que aqui também temos! Eu sei que vocês vêm aqui, muitos de vocês, para ouvir alguma história engraçada, ou para ouvir algum discurso estranho e extravagante de alguém que você acredita ser um homem excêntrico. Ah, bem, ele é excêntrico e espera permanecer assim até que morra; mas ele tão somente é excêntrico sendo sincero e desejando ganhar almas! Ó pobres pecadores, não haveria história estranha que eu não contaria se considerasse ser ela benção para você! Não existe uma linguagem grotesca que eu não usasse, por mais que ela pudesse se voltar contra mim, se eu julgasse poder ser útil para você. Não fiz minhas ponderações para ser reputado como bom orador; aqueles que utilizam de linguagem rebuscada costuma habitar nos palácios reais. Falo com você como alguém que sabe que não presta contas a nenhum homem, mas apenas ao seu Deus, como alguém que deverá prestar contas no último grande dia. E, peço-lhe, não vá falar sobre isso e aquilo que notou em meu linguajar. Pense somente nisto: “Ficarei eu de resto”? “Serei eu salvo”? “Serei eu arrebatado e habitarei eu com Cristo no céu, ou serei eu lançado no inferno para todo o sempre?” Volte-se para essas coisas. Pense seriamente nelas. Ouça aquela voz que diz: “O que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora”. Prestai atenção à voz que adverte: “Vinde então, e arrazoemos juntos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã.” Onde mais encontrarás tu clemência quando os maus forem julgados? Onde mais encontrarás tu abrigo quando a tempestade da ira divina se enfurecer? Onde mais encontrarás tu lugar senão na porção dos justos no final dos dias?

Data: 11 de dezembro de 1860
Sermão nº: 2807
Versão textual bíblica: Almeida Revista e Corrigida
Disponível em: https://www.spurgeongems.org/sermon/chs2807.pdf e https://www.spurgeon.org/resource-library/sermons/spared#flipbook/
Referência Bibliográfica: Metropolitan Tabernacle Pulpit, Vol. 48 – Sermon 2807, “Spared!”.
Tradução e adaptação: Tiago Rossi Marques

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