Tasso Jereissati: “Até gostaria que Lula concorresse. Precisamos de uma lição de democracia em 2022”

by @prflavionunes

Tasso Jereissati está deprimido com a atual situação do Brasil, que enfrenta uma crise sanitária decorrente da pandemia de coronavírus. Governador do Ceará por três mandatos, senador por dois, e ex-presidente de seu partido, o PSDB, Tasso também está incomodado em ver os preços nas prateleiras do supermercados e nas bombas de combustíveis dispararem. Aos 72 anos de idade, um dos políticos mais experientes do Brasil, ele conta os dias para se vacinar contra a covid-19, o que, pelo cronograma da prefeitura de Fortaleza, deve ocorrer até meados deste mês. Diz também que está em um momento de começar a desacelerar sua carreira, não necessariamente de abandonar a política, mas de ir mais “devagar, devagarinho”.

Acostumado a transitar pelos carpetes do poder na capital federal —onde costuma fazer a política de bastidor, de conversas ao pé do ouvido—, o senador está isolado há quase um ano ininterrupto na capital cearense, sua terra natal. Regressou a Brasília apenas em fevereiro passado, quando veio votar contra Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado.

Na entrevista que concedeu por Zoom na última segunda-feira ao EL PAÍS, o congressista diz estar preocupado com os efeitos da decisão que devolveu os processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à estaca zero. Há uma chance de invalidar toda a operação Lava Jato. Contou também que o PSDB seguramente não estará com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição de 2022, que espera a abertura da CPI da Covid no Senado para responsabilizar as autoridades que cometeram erros no combate à doença, mas não defende o impeachment do chefe do Executivo. Apesar de dizer que não vê a democracia em risco, Tasso está com medo.

Pergunta. Como o senhor avalia essa decisão que devolveu os processos do ex-presidente Lula praticamente à estaca zero?

R. A Lava Jato fez um trabalho excepcional no país, por um lado. Puniu toda uma gama da elite da política e do empresariado que se colocavam acima de todos e agiam como se fossem inimputáveis. Por outro lado, errou muito também e causou um clima de insegurança grande. Agora, zerar toda a Lava Jato é uma grande preocupação. É dizer que nada do que ela apurou existiu. Não sei como a opinião pública vai reagir a isso.

P. Com relação ao Lula, o senhor consegue notar algum erro específico, pelo que acompanhou até agora?

R. Houve uma série de conversas absolutamente inadequadas entre um juiz e um procurador [Deltan Dallagnol]. Agora, há uma série de evidências muito fortes contra os investigados da operação. Quando se toma uma decisão como essa, do ministro Fachin, mistura uma coisa com outra e anula tudo. Em princípio, essa decisão não é boa. A decisão acaba abrindo portas para anular a condenação do Marcelo Odebrecht ou do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. Tem uma série de processos contra réus confessos que serão anulados? É uma dúvida. Eu não sei como o brasileiro médio vai enxergar isso. Para os profissionais do Direito pode ficar claro. Mas para a população em geral, não. Como seria no caso de um ladrão de galinha, por exemplo?

P. E do ponto de vista político, qual é o impacto da retomada dos direitos políticos do Lula?

R. Vou ser sincero. Eu gostaria até que o Lula concorresse. No momento que nós vivemos, precisamos de uma grande lição de democracia na próxima eleição. Defendo que todas as correntes ideológicas participem. Acho bom que o Lula concorra. Pessoalmente acho que vai prevalecer o equilíbrio. O país está cansado dos extremismos de um lado e do outro. Todos os presidentes da República que eu conheci dizem, ao assumir, que são o presidente de todos os brasileiros. O PT do meio para fim do segundo mandato do Lula começou a dizer que era o nós contra eles. E o Bolsonaro extremou isso. Ao invés do nós contra eles, era o eles contra nós. Acho que o Brasil cansou desses extremos. O Brasil cansou do debate irracional, com muita raiva de um lado e do outro, com muita ofensa e com pouco argumento. Por isso, acho que vai prevalecer esse equilíbrio.

P. Alguns enxergariam essa sua visão como a de um otimista. É possível fugir dessa polarização, de fato?

R. Essa avaliação tem uma dose grande de realismo. O Fernando Collor de Mello veio com um discurso radical, contra a classe política, os marajás, contra igreja, contra militares, contra tudo. Sozinho, praticamente, teve uma votação impressionante contra o próprio Lula e vários outros candidatos. Logo depois, na eleição seguinte, veio o voto do equilíbrio, que foi o do Fernando Henrique Cardoso. E o Lula que ganhou a eleição em 2002 era o Lula do equilíbrio, quando ele fez aquela Carta ao povo brasileiro, dizendo que ele era o “Lulinha paz e amor”. Foi quando ele se aliou ao José Alencar, que era um dos maiores empresários brasileiros, e fez um gesto enorme. Já a Dilma Rousseff começou a extremar. E o Bolsonaro veio para extremar do outro lado. Então, esse ciclo está no fim.

P. E onde estará o PSDB na eleição de 2022? Pelos seus discursos ele não apoiará o Bolsonaro em nenhum momento. É isso?

R. Nem eu nem o PSDB estaremos com o Bolsonaro. De maneira nenhuma! Temos até alguma afinidade com a política econômica, não toda, mas o resto somos o oposto do Governo Bolsonaro. Somos contra a política externa desastrosa, o negacionismo científico. Tem uma série de pontos que são o reverso daquilo que pensamos e repudiamos com muita veemência.

P. Ao dizer que o PSDB não estaria com o Bolsonaro em 2022, o senhor acha que há um arrependimento por não se opor a ele em 2018?

R. De maneira geral, o PSDB se opôs ao Bolsonaro. Na propaganda da televisão, o nosso candidato Geraldo Alckmin era muito mais crítico ao Bolsonaro do que qualquer outro candidato, inclusive o do PT. O programa era todo em cima do Bolsonaro, não do Fernando Haddad [PT]. E quem representava todo o PSDB era o Alckmin.

P. Mas no segundo turno não faltou algo mais contundente nessa oposição? Teve até a chapa BolsoDoria em São Paulo, quando João Doria pediu voto para o Bolsonaro.

R. Aí, sim. Houve uma certa perplexidade. Um dos erros cometidos principalmente pelos nossos políticos mais jovens foi não olhar o histórico do Bolsonaro. Bastava ver as votações dele na Câmara, o comportamento dele enquanto político. Os discursos dele como deputado já diziam muito bem o que ele ia ser hoje. Não precisava de mais nada. Mas, muita gente, inspirada em uma visão equivocada dizia o seguinte: “contra o PT qualquer coisa vale”.

P. Como o senhor votou em 2018? Votou no Haddad?

R. Meu voto não foi muito republicano. Eu votei em branco.

P. E como estão esses diálogos com outras legendas? Já se sabe que possivelmente não haverá uma frente ampla contra Bolsonaro no primeiro turno. No segundo turno, haveria essa reunião?

R. Não está claro para mim que Bolsonaro estará no segundo turno em 2022. Ainda não dá para acreditar nos números de hoje. Ainda tem muita água para correr debaixo da ponte. Acho que qualquer aliança a ser feita não deve ser contra ninguém, mas sim, em favor de princípios. E claro que um deles é em respeito à democracia, às instituições, à imprensa, à ciência, à política externa abrangente. Evidentemente esta lista de princípios vai levar a um antagonismo natural com Bolsonaro. Agora, o quadro que está aí está muito difícil porque tem muitos candidatos. Acredito que aquele que preencher todos os princípios, não necessariamente do PSDB, é quem deve ser o candidato. Sem se caracterizar como bandeira ser contra alguém.

Política externa e pandemia

P. O que mais chama sua atenção da política externa bolsonarista?

R. Evidentemente tudo é negativo nessa política externa. Não vi nenhum acerto. A figura do ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo] sintetiza isso. Ele começou usando uma estratégia desastrosa, apoiando o republicano Donald Trump como se fosse um candidato brasileiro contra os democratas nos Estados Unidos. Participou de campanha, fazendo uma aliança incondicional não com o Governo americano, mas com um partido e um líder americano, o que causou um mal-estar com a outra banda da política americana. A relação com a China, nosso principal parceiro comercial, também tem sido conflituosa. Na área ambiental, também só se busca confrontos. Eu poderia passar uma tarde inteira falando sobre erros cometidos nessa área. Nesta semana, eu morri de vergonha de ser brasileiro.

P. Por quê? Por causa da comitiva que foi a Israel analisar o spray nasal que tem sido testado como medicamento contra a covid-19?

R. Fiquei com vergonha do nível dos “cientistas” que viajaram a Israel. O que eles entendem de saúde? E quando chegam lá levam bronca dos israelenses no aeroporto, para que todos usem máscara. E, depois, o ministro Ernesto Araújo, foi obrigado a botar a máscara. É como se dissesse: “Te comporte aí! Está pensando que está aonde? No Brasil?”. É de matar de vergonha. Na política externa, desde o início dos anos 1990, tivemos uma série de ministros de extrema grandeza.

P. Qual é a sua avaliação sobre a atuação do Governo Bolsonaro na pandemia? O que poderia ser feito?

R. Se fosse para avaliar ponto a ponto, eu passaria dois dias inteiros falando desse assunto. O presidente começou menosprezando o coronavírus, chamando de gripezinha, fez aglomerações só para provocar, falou da “vacina chinesa”, desmoralizou seu ministro da Saúde o tempo todo, não comprou no momento correto as vacinas que estavam sendo oferecidas ao Brasil. Se não fosse o Butantan, objeto de ojeriza e ataques ao presidente, nós estaríamos praticamente sem vacinas. Estaríamos no meio de março sem vacinas. Entre mimimis e discursos radicais têm muitas coisas ruins. Um ponto fundamental nós vimos nos Estados Unidos simplesmente com a mudança de liderança, quando sai o negacionista Trump, que não ajuda e confunde, e entra um líder que resolve mobilizar, tudo fica diferente. Passou a ter qualidade e rapidez. O presidente precisa ser referência, precisa ser um líder. É isso que faz com que a população que ele lidera siga as suas orientações.

P. O senhor é um dos 31 senadores que defende uma investigação do governo na CPI da Covid. O que falta para ela ser aberta, boa vontade do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco?

R. O presidente Rodrigo Pacheco só precisa cumprir o regimento. As assinaturas já tem. Não é uma CPI como as outras que, além de evitar responsabilidades, tem o objetivo de prevenir o presente. Se deixarmos o presidente Bolsonaro fazer o que está fazendo, dizer o que bem quer, não chegaremos a lugar nenhum. Uma das causas do preocupante estágio em que estamos hoje é o Governo Bolsonaro. A CPI seria um mecanismo para levantar as responsabilidades. No Governo você não pode fazer o que bem quer, acima da lei e causar transtornos, mortes e ficar impune. O presidente está tão impune que continua agindo dessa maneira equivocada. Ao menos a CPI daria ao presidente e aos seus ministros a clara consciência de que ele vai ser responsabilizado pelas bobagens que ele está fazendo. Então, controle-se. Se o presidente não consegue mudar suas crenças negacionistas, controle-se porque um dia ele pode ser apenado por isso.

Impeachment e democracia

P. Essa responsabilização poderia ser por meio de um processo de impeachment?

R. Não. Eu não estou pensando no impeachment agora. Estou pensando mais em prevenir o futuro e segurar o presente. As responsabilidades, sendo levantadas, com certeza é após o fim do mandato. O impeachment agora seria muito ruim. Já vivi dois impeachments e vi que o país parou, dividiu-se mais ainda. É uma crise e isso não é adequado para o Brasil agora.

P. Mas tem mais de 60 pedidos de impeachment na Câmara. Ignorar esses processos, sem avaliação do Congresso, não significa deixar de lado o anseio de parte da população?

R. À essa altura poderia prejudicar, sim. Mas, pelo que estamos vendo nos governos estaduais e municipais, os governadores e prefeitos assumiram a frente do combate, na ausência do Governo Federal. A única mudança ocorreria se o Governo Bolsonaro quiser atrapalhar mais ainda. Por exemplo, na aquisição de vacinas. Mas isso não é provável. Se ele atrapalhasse mais do que vem fazendo, chegaria, sim, ao ápice da irresponsabilidade. Aí, sim, poderia se chegar ao impeachment.

P. Quais são as chances dessa CPI prosperar?

R. Vejo muitos senadores preocupados, mas não vi, até agora, nenhum movimento do presidente do Senado. Mas ele é um homem correto, responsável, acho que vai chegar o momento que ele vai se tocar.

P. Na última eleição para as Mesas Diretoras do Senado e da Câmara, o Governo Bolsonaro agiu fortemente por seus candidatos [Rodrigo Pacheco e Arthur Lira]. Qual a diferença dessa eleição para as demais da que o senhor participou no Congresso?

R. Fazer articulação para eleger a Mesa Diretora do Senado por videoconferência é muito complicado. É o tipo de negociação que exige muito cochicho, muita conversa de pé de ouvido. E acho que se fez um movimento muito sério, que foi se passar por cima dos partidos políticos. O Governo fez cooptação individual dos senadores em troca de apoio, simplesmente ignorando os partidos políticos, as lideranças partidárias, os presidentes de partidos. Não existe um bom Parlamento sem partidos. Não existe democracia sem um bom Parlamento.

P. Uma pergunta que se tornou clássica para qualquer político, jurista ou analista: a democracia está em risco?

R. Eu tenho medo. Acredito que a democracia não está em risco. Mas eu não estou tranquilo. Eu vi coisas recentemente que nunca esperei ver em minha vida. Vi o Capitólio sendo invadido por um bando de desordeiros, comandados por um presidente que pregava a quebra do resultado eleitoral e desrespeitando as eleições americanas. O mesmo presidente americano citou que não aceitaria o voto pelos correios porque teria fraude. Estou vendo o presidente brasileiro que, além de imitar o Trump, afirma que se houver eleição sem papel impresso haverá fraude, e diz que a própria eleição dele teve fraude. Ele tem um número grande de seguidores. Ao mesmo tempo, ele corteja os militares, preenche seu governo de militares em vários níveis, e corteja as polícias militares. Esse cenário não me deixa muito tranquilo.

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P. A Petrobras anunciou um novo reajuste nos combustíveis. A cesta básica está cada vez mais cara. Onde vamos parar?

R. Num país com tantas incertezas é difícil a economia subir. O principal investidor da economia é a confiança e o mínimo de segurança do que vai acontecer em breve. A previsibilidade. Aqui, temos a dúvida da vacinação. Para mim, o grande economista aqui é a vacinação. Mas não temos até hoje um cronograma claro de vacinação. Temos várias incertezas sobre o comportamento do governo em relação à pandemia. Só por isso a economia já balança. Quando o presidente coloca um ingrediente a mais ao mudar o presidente da Petrobras da maneira que ele mudou, a incerteza se espalhou. O que nós precisamos neste momento é ter o mínimo de segurança e de confiança no que vai acontecer até o fim do ano.

P. O senhor tem planos eleitorais para 2022? Concorrerá à reeleição?

R. Está chegando a hora de ter juízo. Não de aposentar, mas de ir mais devagar. Como diz o Martinho da Vila, devagar, devagarinho.

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