Tom Cavalcante incendeia as redes com suposta isenção de governantes sobre a crise da pandemia

by @prflavionunes

No momento em que a onda de desinformação sobre a pandemia de covid-19 avança na mesma velocidade em que a propagação do novo coronavírus no Brasil —que soma, nesta segunda-feira, mais de 255.000 mortos pela doença—, mesmo textos apócrifos e pré-pandêmicos causam rebuliço nas redes sociais e viram argumentos enviesados em meio à polarização. Um deles, de autor desconhecido, que convoca sociedade a “orar mais” em vez de “atirar pedras” nos governantes por sua má gestão da crise sanitária tornou-se a ferramenta da vez na disputa narrativa sobre a gravidade da situação e as responsabilidades pelos UTIs lotadas e sistemas de saúde em colapso por todo o país.

Falsamente atribuído ao filósofo Mario Sergio Cortella —que já negou a autoria— o texto diz: “Aquele que tiver a real solução para esse problema que atire a primeira pedra! Atire no prefeito que fechou a cidade e mandou todos pra casa. Atire no presidente que pede pra abrir a cidade e a volta ao trabalho. Atire nos médicos que pedem o isolamento social para evitar o colapso no sistema de saúde. Atire nos economistas que pedem para voltar a rotina prevendo um colapso financeiro …. O negócio é atirar pedras!” Uma mensagem aparentemente apaziguadora que faria qualquer tio do Whatsapp sentir o afã de compartilhar.

O comediante Tom Cavalcante, de 58 anos, se empolgou com a mensagem e decidiu interpretá-la em um vídeo para seus seguidores. No último sábado, 27 de fevereiro, postou no Facebook a gravação na qual declamava o texto. Ele mesmo dizia que a autoria era de Mario Sergio Cortella. Em poucos minutos, sua caixa de comentários estava cheia de defesas e acusações ao humorista por supostamente passar pano para os políticos, mas, principalmente para Jair Bolsonaro, justamente no pior momento da pandemia. A postagem também viralizou em grupos bolsonaristas no WhatsApp, que a compartilhavam como uma ode ao presidente da República.

A mensagem do ator acabou servindo de referência para pessoas que entendem como um exagero os alertas repetidos pela imprensa, cientistas, profissionais de saúde, e governadores e prefeitos que encaram até 90% de lotação nas UTIs neste ano. Num momento em que parte do Brasil criou uma realidade paralela, moldada por milhões de mensagens apócrifas que circulam nos aplicativos de mensagem, Cavalcante acabou emprestando a cara e a credibilidade para dar fé à indiferença de parte da população que contribui para as mais de mil mortes diárias no Brasil.

Procurado pela reportagem, o humorista escreveu um longo texto onde reconhece seu erro. “Por mais que o vírus e a pandemia tenham surgido por uma contingência da vida, a responsabilidade pela saúde da população e por diminuir os danos causados pela pandemia é, sim, dos gestores públicos”, afirma Cavalcante ao EL PAÍS. O comediante —que corrigiu a informação sobre a autoria da mensagem— tem publicado vídeos de humor e mensagens motivacionais desde o início da pandemia, segundo ele, com a intenção de “tornar o clima um pouco mais leve”, para seus amigos e seguidores.

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“Com o último vídeo não foi diferente. Postei uma mensagem cujo objetivo era dizer que vamos virar o jogo e sair dessa. Após ler os comentários no dia seguinte fiquei sabendo que o texto não era do meu amigo e respeitado professor Cortella. A velocidade e o volume de informações da Internet fez o tio aqui cair nessa”, conta o comediante, que postou um vídeo de “esclarecimento” para seus seguidores na noite de segunda-feira.

Cavalcante diz também que esperava que a mensagem pudesse “diminuir a polarização que impera na sociedade” e lamenta que ela tenha sido lida como um posicionamento político ou partidário. “Quem gosta dos governadores, achou que eu passei pano para erros cometidos pelo presidente na forma como lida com a pandemia e quem gosta do presidente achou que eu passei pano para os governadores. Não foi minha intenção”, diz ele, que não declara seu posicionamento político-ideológico. “Sempre tenho o cuidado de não tensionar mais ainda o ambiente político que já está aí”, afirma.

O comediante reconheceu que foi “ingênuo” e que cometeu um “erro” ao postar o vídeo. “Pode, sim, dar a entender que estou eximindo nossos governantes de cuidar da saúde das pessoas”. “Entendo também como cidadão que o momento de agonia com a pandemia pela qual passam milhares de irmãos que já perderam vidas é bem mais relevante e urgente do que qualquer discussão partidária ou de um suposto posicionamento político meu nesse momento”, acrescenta.

O próprio Cavalcante foi um dos que a covid-19 “pegou de jeito”, em suas palavras. Ele diz que que não quis divulgar seu diagnóstico para não “aumentar o pânico já instalado”, mas comenta brevemente que teve de ser internado em Miami e ainda faz terapia respiratória para que possa retomar suas atividades. “Outra mensagem subliminar do texto é que esses políticos parem de brigar e vão cuidar da população. Ou seja, queremos ver nosso dinheiro nos salvando”. Mas em tempos tão delicados, a leitura de entrelinhas perde alcance. A urgência do momento tem pedido mais clareza.

Sem citar nomes, o comediante se contrapõe ao presidente Bolsonaro, que questionou, mais uma vez, o uso de máscaras e o distanciamento social no dia mais letal da pandemia no país —em 25 de fevereiro, o Brasil registrou 1.582 novas mortes por covid-19. “Sou a favor do uso da máscara, da não aglomeração, da vacina e de todas as medidas comprovadas pela ciência para controlar o aumento de casos e o número de mortes”, afirma e acrescenta: “Sei que isso é dizer o óbvio, mas, em tempos de fake news, nas quais espero não cair de novo, pode ser importante repetir o óbvio”, conclui.

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