Autonomia do BC deve ser votada nesta terça, com previsão de duplo mandato

by @prflavionunes

Incentivado por lideranças partidárias, principalmente do governo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), marcou para esta terça-feira, 3, a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, que trata da autonomia do Banco Central. O texto prevê mandato fixo para diretores e presidente do BC e estabelece uma nova atribuição à autoridade monetária: além de garantir o poder de compra da moeda brasileira, precisará também se preocupar com o nível de desemprego no país. 

No último parecer, divulgado em 19 de outubro, o relator do projeto, Telmário Mota (Pros-RR), definiu a busca pelo pleno emprego como uma nova tarefa do BC. O senador sugere uma versão mais suave do chamado “duplo mandato”: focado nas metas de inflação, mas com atenção também ao desemprego. A primeira continua sendo a principal atribuição do Banco Central, que deverá “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, desde que “sem prejuízo de seu objetivo fundamental”, diz o parecer. 

Após negociações com o governo, o relator também desvinculou o Banco Central do Ministério da Economia. O BC passa a ser uma autarquia de natureza especial, sem vínculo com nenhuma pasta, da mesma forma que agências reguladoras, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Hoje, embora o BC seja classificado como autarquia federal, o presidente é titular de cargo de ministro de Estado.

Como a Constituição garante que o presidente da República pode demitir ministros quando quiser, a configuração atual impede mandatos fixos para diretores, uma das medidas previstas no projeto para garantir a independência do banco. “O BC é uma agência reguladora como qualquer outra, mas regula o mercado financeiro”, observa o economista Luis Otavio de Souza Leal. “Quanto mais independente ele for, mais é possível confiar que pode tomar decisões antipáticas ao governo que estiver no poder, sem pressões políticas”, considera.

Afastar pressões político-partidárias da atuação do BC é o principal objetivo do projeto. Ao incluir na lei a autonomia formal, com a garantia de que o mandato do presidente da República não coincidirá com o dos dirigentes do BC, o texto “evita até mesmo interpretações muitas vezes equivocadas de que o Banco Central do Brasil deixou de aumentar a taxa básica de juros para conter a inflação por causa de pressões político-partidárias ou eleitorais”, diz o parecer.

Novas regras

O projeto estabelece mandato fixo de quatro anos para o presidente e os diretores do BC, que poderão ser reconduzidos ao cargo uma vez, pelo mesmo período. A substituição dos oito integrantes da diretoria será feita aos poucos. O mandato do presidente do banco começará sempre em 1º de janeiro do terceiro ano de mandato do presidente da República. A cada ano de governo, serão nomeados dois diretores. Os nomes precisarão ser sabatinados pelo Senado, em votação secreta. 

A matéria também trata dos requisitos para demissão dos dirigentes. Entre eles, casos de condenação pela prática de ato de improbidade administrativa ou de crime que resulte em proibição de acesso a cargos públicos. O presidente da República pode pedir a exoneração de diretores e presidente do BC. Mas, nesse caso, o pedido precisa ser justificado e aprovado pelo Senado, em votação secreta

Se for aprovado pelo Senado, o projeto ainda precisa passar pela Câmara, onde poderá sofrer mudanças. A proposta será apensada a outra sobre o mesmo tema, de iniciativa do governo; ou seja, as duas passarão a tramitar juntas. Depois de passar pelas duas Casas, a matéria fica pronta para sanção do presidente Jair Bolsonaro. O senador Eduardo Braga (AM), líder do MDB no Senado, espera que a matéria seja votada sem dificuldades nesta terça. “O projeto avançou, já foi bastante discutido. Não vamos encaminhar contra”, disse.

Apesar de ter algumas críticas ao texto, o senador Alvaro Dias (PR), líder do Podemos no Senado, também não vê impedimento para a votação no plenário. Ele acredita que ainda haverá espaço, nas próximas etapas de tramitação, para mudanças em pontos específicos. “Temos certa tranquilidade de votar, porque o projeto ainda irá à Câmara e terá que retornar ao Senado, uma vez que lá existe um, do Executivo, que será apensado, com alterações”, lembrou. “Sou favorável à tese de independência, é claro. Mas o projeto trata de uma independência em relação ao Executivo, não em relação ao sistema financeiro”, apontou.

Expectativa

O ministro da Economia, Paulo Guedes, aposta na votação no Senado antes do primeiro turno das eleições municipais, marcado para 15 de novembro. Em cerimônia no Palácio do Planalto, em 22 de outubro, ele disse que a medida ajudará o país a manter a moeda forte e os juros baixos. “Não vai haver inflação alta mais, porque teremos um BC que vai lutar contra a inflação”, afirmou o chefe da equipe econômica. 

Na semana passada, Guedes definiu a autonomia do BC como “um sonho” que cultiva há 40 anos. “E a razão é muito simples: despolitizar a moeda”, justificou, em reunião remota na comissão mista do Congresso que discute as medidas de combate ao novo coronavírus, em 29 de outubro. “É um capítulo decisivo da história brasileira. Com a inflação baixa, os juros são baixos. A construção civil investe, os investimentos privados acontecem, os trabalhadores não perdem poder de compra”, explicou.

Na contramão da expectativa do Executivo, o economista Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do Banco Central, aponta possíveis efeitos colaterais do projeto, com o engessamento das nomeações e demissões. “Não deveria mexer em time que está ganhando. Hoje, existe autonomia, mas existe flexibilidade. O projeto parte do pressuposto que o presidente do BC está sempre certo, e o presidente da República, errado. Nem sempre é assim”, ponderou. 

Além disso, Freitas ressaltou que o emprego já é preocupação do BC, mesmo sem o duplo mandato. “A questão do pleno emprego já é preocupação intrínseca do BC. A estabilidade é condição necessária para isso”, afirmou. “Acho que não acrescenta nada, é chover no molhado. Nunca vi nenhum diretor ou presidente do BC que não estivesse preocupado com o emprego”, disse.

Fonte: Exame

Pr. Flávio Nunes

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