Crente pode ter depressão?

by @prflavionunes

por Artigo compilado – qua set 30, 8:28 am

 

Esta pergunta tem sido feita constantemente por inúmeros pacientes evangélicos que têm me procurado. Justamente pelo fato de saberem que sou igualmente evangélico, se sentem mais à vontade para trazerem suas dúvidas, e como essas dúvidas têm sido muitas, resolvi escrever este breve artigo para elucidá-las, pois provavelmente vários crentes já passaram por um episódio depressivo, e ficaram confusos e cheios de perguntas sobre a depressão.

As perguntas mais frequentes são:

  • A depressão é decorrente do pecado?
  • Minha depressão é por falta de fé?
  • Por que estou deprimido se não tenho motivo?
  • A depressão é uma doença?
  • Parece que Deus esqueceu de mim, já orei várias vezes, diversos irmãos oraram, imposição de mãos e a depressão não vai embora.
  • A depressão se deve a motivos psicológicos?
  • Não tenho vontade para nada, deixei de fazer as atividades mais simples, não tenho motivação nem energia, me sinto fatigada e constantemente triste, tenho insônia e vontade de morrer, não sou mais a mesma pessoa
  • A depressão tem cura? Tem tratamento?
  • O que é depressão?

Para responder as perguntas acima, e talvez a várias outras, vamos ver o que vem a ser depressão e como podemos enfrentá-la.

Hipócrates, em 430 aC, já havia caracterizado e descrito os estados de depressão, que denominou melancolia. Ao longo dos séculos, diversos autores tem se dedicado ao estudo das chamadas doenças do humor, ou doenças dos afetos, dos estados de tristeza, das tristezas normais e doentias, das tristezas com causa e aquelas que aparecem sem que nenhuma causa seja identificada.

Naturalmente, há situações que provocam em nós estados de tristeza, como a perda de alguém querido, mas dentro de determinado tempo nos recuperamos e retornamos à normalidade da vida. Esse é o estado de luto ou tristeza normal, que não deve ser confundido com a depressão, que é uma doença.

Na depressão não há necessidade de causa desencadeante, e além da tristeza há uma série de outros sintomas que a acompanham.

Normalmente, utilizamos o termo depressão de maneira equivocada. Quando dizemos “estou deprimido” geralmente estamos querendo dizer “estou triste”, ou então “estou angustiado”, ou ainda “estou ansioso”.

A depressão é a perda do tônus vital a baixa da energia psíquica e física. Na depressão podemos afirmar que o cérebro adoece, perde seu tônus vital, e com essa perda todas as funções psicológicas também se enfraquecem e fragilizam.

Mas, o cérebro adoece? Há exame que mostre? O que no cérebro adoece? Precisamos então introduzir o conceito de mediadores químicos cerebrais. Todos os nossos pensamentos, ações, movimentos e sentimentos são possíveis devido à intermediação desses agentes bioquímicos.

Fazendo a metáfora, seria como se estivéssemos um automóvel (nosso corpo) em perfeitas condições de uso, com um ótimo motor (nosso cérebro), mas sem combustível (mediadores químicos). O carro não funciona! Talvez seja mais fácil entender se explicarmos a diabetes. Todos sabem que diabetes é uma doença devido à falta de um mediador químico, a insulina, que é produzida pelo pâncreas.

Pois bem, o cérebro também tem seus mediadores químicos que são, entre outros, a adrenalina, a nor-adrenalina, a serotonina e a dopamina. Quando esses mediadores químicos diminuem, ou faltam, ou se alteram, vamos ter então os estados depressivos.

O que causa a alteração desses mediadores químicos? São muitas variáveis, mas temos que considerar ao menos os fatores hereditários, sócio-culturais e psicológicos, lembrando ainda dos agentes físicos e químicos e as auto e hetero intoxicações.

Tipos de Depressão

Depressão hereditária – é aquela doença condicionada geneticamente com antecedentes determinados na árvore familiar (geralmente algum outro membro da família já apresentou, em algum período, um episódio depressivo). Este tipo de depressão acomete a pessoa sem que nenhuma causa conhecida o explique. É aquela pessoa que tem tudo para ser feliz, e era realmente feliz, porém começa lentamente a ficar cada vez mais deprimida.

Depressão orgânica – ocorre devido a uma outra desordem orgânica. Algo vai mal em algum outro órgão do corpo, ou em outra parte de nosso organismo, e secundariamente acontece a depressão. Muitos pacientes, talvez mais da metade deles, apresentam esse tipo de depressão. Vamos, portanto, encontrar depressão nos estados de menopausa, nas alterações da tireóide, nas doenças reumáticas, na hipertensão, nas doenças da coluna, nas dificuldades circulatórias do cérebro, nos estados de stress e fadiga crônica, nas tensões pré-menstruais, nas reações colaterais de vários medicamentos (anticoncepcionais, corticoides, anti-hipertensivos etc.), no uso de remédios para emagrecer, no uso de drogas (maconha, álcool, anfetaminas, cocaína etc.). Temos ainda uma série de outros estados clínicos que podem produzir secundariamente uma depressão.

Depressão psicológica – é aquela produzida por fatores psicológicos, geralmente traumáticos, conscientes (conhecidos) ou não. Há ainda um estado muito curioso, denominado depressão mascarada. Mascarada porque não se expressa por sinais psíquicos ou mentais, mas principalmente por sintomas físicos, como: cefaleias, vertigens, gastralgias, náuseas, diarreias, colites, dor pré-cordial, palpitações e outras mais. É aquela pessoa que já procurou diversos médicos, todos dizem que ele não tem nada, que tem mania de doença, mas ele se sente doente e realmente tem todos esses sintomas.

Descritivamente, a pessoa deprimida se sente cansada e se considera impotente para fazer qualquer coisa. Em seu estado de incapacidade, sente-se extremamente triste, chora com facilidade, e acha que a vida não merece ser vivida. Não se interessa por nada que se interessava antes. Há perda do apetite, aliás de todos os apetites, incluindo o sexual. Não consegue dormir, seu pensamento e linguagem são inibidos e lentificados, não tem capacidade de concentração e sua memória está ruim. Tem ideias negativistas e de ruína. Sua expressão mostra profunda dor e se sente a mais miserável das pessoas. Nesta situação, a ideia de suicídio, ou a vontade de deixar de existir, é frequente. Esta é a descrição de um estado depressivo típico, mas naturalmente há uma série de estados intermediários a estes.

Não nos esqueçamos que uma em cada dez pessoas no mundo sofrem ou sofrerão de depressão – 3 a 5% da população mundial, segundo a OMS, o que dá entre 100 a 200 milhões de pessoas.

São milhões de pessoas tomadas pela ansiedade, angústia, pânico, medos e depressão e que necessitam de tratamento.

Tratamento

Existe tratamento? Sim, existe. Atualmente, o tratamento para os estados depressivos é bastante eficiente, com as modernas técnicas terapêuticas e, principalmente, com os novos medicamentos. Frequentemente digo a meus pacientes que não existe depressão sem cura ou sem tratamento. O que existe é depressão mal diagnosticada, ou tratada de maneira inadequada. Como a depressão é devida à alteração dos mediadores químicos cerebrais, temos medicamentos que agem especificamente sobre eles, normalizando seus níveis no cérebro e devolvendo ao paciente o bem-estar e a alegria de viver.

Mas, e o cristão? Será que com essa doença pode ter sua fé abalada? Será que sua comunhão com Deus pode ser prejudicada? Qual a atitude espiritual que o cristão deve ter?

A fé não elimina a possibilidade de depressão, já que a fé não é antídoto, vacina ou remédio para o corpo. A fé é alimento para o espírito, e como já vimos, os estados de depressão são alterações primárias do corpo ou organismo.

Da mesma forma que o cristão tem estados de gripe, pneumonia, enfarte e câncer, ele também pode ter depressão. Vamos buscar na Bíblia alguns exemplos para nos orientarmos.

Em Mateus 26.36-38 encontramos Jesus em estado de angústia e tristeza: “A minha alma está profundamente triste até a morte… e começou a entristecer-se e angustiar-se”.

Se o próprio Cristo sentiu-se angustiado e profundamente triste, então o crente também pode sentir tais estados. Nesse mesmo exemplo, vemos que a atitude de Jesus era a busca mais intensa na comunhão com Deus, pois nesses exemplos Jesus vigiava e orava.

Ora, após esse exemplo, creio que a nossa questão não é se o crente pode ou não ter depressão, mas que atitude espiritual deverá ter se for acometido por essa doença.

Vamos então aprender com Davi, que no Salmo 31 nos mostra um dos mais pujantes exemplos de depressão: “Compadece-te de mim, Senhor, porque me sinto atribulado; de tristeza os meus olhos se consomem, e a minha alma e o meu corpo. Gasta-se a minha vida na tristeza e os meus anos em gemido, debilita-se a minha força, por causa da minha iniquidade, e os meus ossos se consomem”. Além da bela descrição de seu estado depressivo, Davi nos mostra como proceder espiritualmente nesses casos:

– 31.14 “Quanto a mim, confio em Ti, Senhorconfiança.

– 31.22 “Eu disse na minha pressa, estou excluído da Tua presença. Não obstante, ouviste a minha súplica, quando clamei por socorro – Deus ouve.

– 31.24 “Sede fortes e revigore-se o vosso coração, vós todos que esperais no Senhoresperança.

Temos, então, a postura espiritual que o cristão deve ter para enfrentar os estados de depressão: oração, comunhão com Deus, confiança na sua divina providência e esperança.

Uma paciente minha, profundamente crente e espiritual, que apresenta um quadro de depressão constitucional (hereditária), tem me dito: “se não fosse a minha fé e os seus remédios eu já teria me suicidado”.

Os medicamentos podem falhar, ou demorar para fazer efeito, mas Deus não falha, e não raro a fé é o último sustento que a pessoa pode ter.

Concluindo, espero ter dado, nestas informações bastante sucintas, condições para que o leitor tenha esclarecido um pouco suas dúvidas sobre o assunto, e que, se porventura se defrontar com alguém com depressão, saiba orientá-lo.

Nunca adote uma postura crítica, dizendo:

“Você não melhora porque não quer”

“Você não está se esforçando o suficiente”

“Isso é bobagem, é coisa da sua cabeça”

“Está faltando oração”

e outras coisas semelhantes.

O deprimido não melhora porque não pode, por suas próprias forças e vontade, melhorar, já que a doença debilita justamente as forças, a energia e a vontade.

Oriente a pessoa a procurar ajuda de um profissional especializado, e oriente na manutenção de uma vida espiritual adequada e equilibrada.

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Dr. Pérsio Ribeiro Gomes de DeusMédico Psiquiatra e Presbítero da Igreja Presbiteriana da Vila Mariana – São Paulo

Cada autor é responsável pelo conteúdo do artigo.

Pr. Flávio Nunes

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