Efeito dominó: como a crise de uma companhia aérea atinge outras empresas

by @prflavionunes

Depois de mais de uma década trabalhando no aeroporto de Manchester, no noroeste da Inglaterra, Tracey Moore finalmente conseguiu o emprego que queria – atendente de check-in de passageiros da Virgin Atlantic. Então, às 15h30 em 22 de outubro, depois de cerca de um ano no trabalho e meses de licença, ela voltou ao aeroporto e entregou seu uniforme.

Ela havia aceitado a demissão voluntária e deixado o emprego dos seus sonhos.

“Lutei muito para chegar à Virgin e é por isso que acho que estou mais chateada”, disse Moore. Devastada pela forma como a pandemia esvaziou a indústria de viagens aéreas, ela aceitou se demitir porque achou que suas horas e seu salário seriam cortados, caso não fosse uma das pessoas demitidas. “Acho que não tive uma escolha real”, disse, acrescentando: “Eu adorava usar o uniforme.”

Mas Moore não trabalhava para a Virgin Atlantic. Ela foi uma entre os milhares de pessoas que deixaram a Swissport, empresa internacional que presta serviços terrestres para companhias aéreas, incluindo o check-in de passageiros e a carga e a descarga de bagagem.

Desde o check-in até a decolagem e o pouso, os viajantes da Virgin Atlantic acabam interagindo com centenas de outras empresas que a companhia aérea contrata para fornecer os serviços e bens que integram uma experiência de voo tranquila. O mesmo ocorre com a maioria das grandes companhias aéreas. A Virgin não prepara a comida a bordo, não imprime os cardápios, não fabrica os assentos da classe executiva, não retira o gelo das asas, não descarrega a bagagem no aeroporto nem devolve sua mala perdida. Ela contrata empresas para fazer essas e muitas outras tarefas.

Entretanto, oito meses depois que os governos fecharam suas fronteiras e impuseram restrições de viagem para impedir a propagação do coronavírus, o bloqueio só diminuiu parcialmente e uma segunda onda da pandemia tomou a Europa, acabando com o turismo.

A Virgin Atlantic, que depende muito de rotas longas e viagens transatlânticas, quase não teve oportunidade de se recuperar. A companhia aérea demitiu 4.700 funcionários, quase metade de seu pessoal.

As empresas contratadas pela Virgin, com nomes como Gogo (fornecedor de internet a bordo), ESP Color (serviços de impressão) e Eagles Couriers, também sofrem com o golpe da pandemia nas viagens aéreas, em alguns casos cortando funcionários e fechando instalações.

Informações sobre essas empresas raramente aparecem. Mas, em meados deste ano, quando temia ficar sem dinheiro até outubro, a Virgin elaborou um complexo acordo de resgate privado de US$ 1,6 bilhão. Ele incluía cerca de US$ 226 milhões de um fundo hedge, capital levantado com a venda de ações da Virgin Galactic, o empreendimento espacial de Richard Branson, e acordos para adiar o pagamento de dívidas.

Como parte do plano, 162 empresas ao redor do mundo a quem a Virgin devia cerca de US$ 69 milhões tinham essencialmente uma escolha: receber 20 por cento menos, com o saldo pago em parcelas até setembro de 2022, de acordo com documentos judiciais, ou arriscar que a companhia vá à falência, e talvez receber um pouco de volta. A maioria votou pela primeira opção, e por isso ela se aplicou a todas.

As organizações, que incluem uma instituição de caridade, grandes redes hoteleiras e empresas de consultoria, dão uma ideia do efeito dominó que os economistas temem desde o início da pandemia: que as empresas mais diretamente prejudicadas – aviação, hotéis e restaurantes – iniciariam uma onda de devastação que poderia se estender amplamente, afetando a economia.

A Virgin Atlantic não quis comentar e mencionou declarações anteriores. Em setembro, quando o acordo de refinanciamento foi anunciado, seu executivo-chefe, Shai Weiss, chamou-o de “um grande passo em nossa luta pela sobrevivência”. “Agradecemos muito o apoio de nossos acionistas, credores e novos investidores privados. Juntos, garantiremos que a companhia aérea continue fornecendo conectividade e concorrência vitais”, declarou ele em um comunicado na época.

Essas empresas não atribuíam seus problemas financeiros à Virgin Atlantic, mas sim à dramática queda nas viagens aéreas.

Uma delas é a Swissport Ireland, parte de um grupo internacional que atende companhias aéreas em 300 aeroportos.

“Cerca de 95 por cento de nossa receita desapareceu em duas semanas”, afirmou Luzius Wirth, vice-presidente executivo para a Europa, o Oriente Médio e a África da Swissport International. Segundo ele, a empresa teve de parar de gastar rapidamente e dispensar o maior número possível de funcionários.

Os concorrentes da Swissport também foram forçados a reduzir drasticamente os funcionários, incluindo alguns trabalhadores que passaram décadas nos bastidores dos aeroportos.

Leonardo Aquaro é uma das vítimas. Em 2003, aos 23 anos, ele começou a trabalhar no Aeroporto de Heathrow, em Londres, em um check-in e bilheteria de uma companhia aérea. Mais recentemente, Aquaro se tornou controlador de operações da Menzies Aviation, gerenciando os voos e mantendo os aviões o mínimo possível no aeroporto. Em março saiu de licença e, em setembro, foi demitido. Ele acha que nunca mais voltará à indústria.

“Não há muita coisa no momento, mesmo que você tenha experiência”, disse ele. E acrescenta que o setor mudou: as demandas para cortar custos diminuíram o número de funcionários e pioraram os contratos. Em vez disso, ele está estudando marketing e web design on-line e passando mais tempo com os filhos pequenos.

Para a Safran Seats GB, empresa sediada no País de Gales que projeta e produz assentos da primeira classe e da executiva para a Virgin e outras companhias aéreas, bem como para a Boeing e a Airbus, o impacto da pandemia veio em ondas. Em março, foram as companhias aéreas que pediram o adiamento dos planos para readequar suas cabines. Seis semanas depois, foram os fabricantes de aeronaves que adiaram a construção de novas aeronaves.

Os trabalhadores que fabricam os assentos foram os mais afetados, de acordo com Victoria Foy, a executiva-chefe. “As companhias aéreas que estão claramente lutando por dinheiro disseram que não podem continuar com esses programas agora”, acrescentou. Ela espera que, até o fim do ano, a empresa tenha cerca de 900 funcionários, 700 a menos do que no início de 2020, e uma de suas instalações, em Camberley, no sudoeste de Londres, já foi fechada.

Para os funcionários que projetam e desenvolvem novos assentos, o quadro é menos sombrio. São necessários vários anos para produzir um novo design, e assim a Safran Seats pode se dar ao luxo de esperar a pandemia passar nessa área.

“Acreditamos – firmemente – que voltará. É uma questão de quando, não se”, disse Foy sobre as viagens aéreas. Enquanto isso, a Safran está trabalhando com outras empresas para projetar interiores de aeronaves para uma pandemia, com divisórias maiores entre os passageiros e assentos reclináveis sem botões.

Para Moore, que perdeu o emprego que amava, seu último dia na Swissport foi em 31 de outubro. Ela viajava uma hora e meia de uma vila no Parque Nacional Peak District para chegar ao aeroporto de Manchester todos os dias. “Não há nada como a sensação das primeiras horas da manhã; você está andando ao ar livre, rindo com seu amigo, e está escuro e o sol está nascendo e as luzes dos aviões estão acesas na pista. Não dá para explicar, se você nunca sentiu isso”, afirmou.

Aos 59 anos, Moore acaba de começar um novo trabalho como ajudante em um asilo.

Fonte: Exame

Pr. Flávio Nunes

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