Arcebispo investigado julga denúncias de abuso contra outros padres de Belém

by @prflavionunes

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O arcebispo metropolitano de Belém, dom Alberto Taveira Corrêa, criou no início de 2019 uma comissão subordinada a ele mesmo para investigar denúncias de crimes sexuais contra integrantes da Igreja Católica na região metropolitana da capital paraense. Corrêa atualmente é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Civil após ser alvo de denúncias de assédio e abuso sexual por parte de quatro ex-estudantes do Seminário São Pio X, em Ananindeua, na Grande Belém. Em dezembro o EL PAÍS entrevistou dois denunciantes e revelou detalhes do caso —exposto de maneira velada pelo próprio arcebispo no início daquele mês —, o que motivou 37 entidades civis pedirem o afastamento do arcebispo do cargo até que as investigações sejam concluídas. Neste domingo o programa Fantástico, da Rede Globo, veiculou extensa reportagem onde também traz detalhes sobre o caso. Corrêa nega todas as acusações.

O “Decreto de nomeação do órgão para conhecer e instruir processos eclesiásticos de abuso sexual contra menores e vulneráveis” e o “Regulamento para eventuais denúncias contra abuso sexual de menores e vulneráveis” foram assinados por Corrêa em 19 de março de 2020, quase um ano depois do papa Francisco ter publicado a Carta Apostólica Vos Estis Lux Mundi (Vós sois a luz do mundo, em tradução livre do latim). O documento é uma diretriz que estabelece uma espécie de lei dentro do direito canônico com mecanismos e regras claras para que denúncias ou suspeitas de abuso sexual cometidas por membros da Igreja Católica sejam investigadas internamente, compartilhadas com autoridades civis e punidas. O regramento possui 19 artigos e trata de delitos sexuais praticados por membros do clero, que não têm a opção de não se submeter a ele.

Seguindo as novas regras do direito canônico, o arcebispo metropolitano de Belém criou o mecanismo de apuração interna em sua jurisdição. “Pela autoridade que exerço em vista do cargo que ocupo na Igreja como arcebispo, nomeio o Tribunal Arquidiocesano de Belém para conhecer, averiguar, instruir e fazer investigação prévia para Processos Eclesiásticos de eventuais abusos sexuais contra menores e vulneráveis cometidos por clérigos, religiosos, membros de Vida Apostólicas e similares, e por fim, entregar o Relatório à Autoridade competente para o julgamento”, diz o decreto de Corrêa. O tribunal é um órgão da cúria metropolitana, órgão subordinado ao arcebispo. De acordo com os documentos, mais à frente, a “autoridade competente” para tais assuntos é ele mesmo. “Feita a instrução processual, os autos serão entregues ao arcebispo com o parecer do promotor eclesiástico de Justiça e do instrutor. O arcebispo de Belém julgará e enviará cópia de todo o processo para o Papa em Roma”, diz o documento.

O primeiro artigo do decreto de Corrêa diz que “o abuso sexual contra menores e vulneráveis sempre causa graves danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas, e com maior gravidade ainda se cometidos por Clérigos e Religiosos”. “Por menores entendem-se jovens de até 18 anos completos”, afirma o segundo artigo. No terceiro, o arcebispo faz a definição do que é abuso: “Abuso sexual não é apenas conjunção carnal, mas também outros atos previstos do Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, como toques, carícias nas partes íntimas e semelhantes”. Nas denúncias de que é alvo, Corrêa é acusado de assediar e abusar sexualmente de jovens de 15 a 20 anos de idade em diversas ocasiões de 2010 a 2014, inclusive em sua residência oficial. Os ataques aconteceriam em espécies de sessões de “cura gay”, onde os jovens eram recebidos reservadamente pelo arcebispo para que este pudesse ajudá-los a livrar-se da homossexualidade. Durante os encontros, segundo os relatos dos denunciantes, Corrêa ficou nu junto com os jovens, tocado seus corpos e promovido sessões de masturbação, entre outros abusos. Em entrevista ao EL PAÍS, um deles afirma que chegou a ser chantageado para aceitar as investidas da autoridade religiosa.

Em nota da assessoria de imprensa, a Arquidiocese de Belém afirma que “que está acompanhando as investigações em curso, com a certeza e a confiança de que, ao final, prevalecerá a verdade”. “Informa ainda que, devido ao sigilo imposto e em respeito às leis, não pode divulgar mais informações (…).” “Por fim, pede à comunidade dos fiéis que continue a rezar pela Igreja, por intercessão da Santíssima Mãe de Deus, a Virgem Maria, para que não desanimemos diante das provações pelas quais estamos passando”, diz o comunicado em outro trecho.

Caminho alternativo

No caso da própria autoridade dentro da Igreja responsável por apurar os casos ser denunciada, como de fato aconteceu em Belém, a ordem papal prevê um caminho alternativo, seguido pelos quatro ex-seminaristas no início do segundo semestre de 2019. O bispo mais antigo da jurisdição eclesiástica deve receber a denúncia e encaminhá-la dentro da Igreja. “Neste momento, Dom Pedro é o bispo mais ancião de nomeação episcopal na Província Eclesiástica de Belém que corresponde ao Regional Norte 2 (Pará e Amapá). Pelas atuais normas da Igreja Católica (”Vos estis lux mundi” – Art. 8 par. 2) possíveis denúncias que envolvam o arcebispo metropolitano devem ser encaminhadas à Congregação dos Bispos, no Vaticano, pelo bispo mais ancião de nomeação episcopal”, diz nota divulgada nesta segunda-feira (4) pelo bispo de Macapá, dom Pedro José Conti, que recebeu a denúncia dos quatro ex-seminaristas.

“Foi o que Dom Pedro fez, por obrigação canônica e para não ser acusado, posteriormente, de omissão. No entanto, sempre se declarou absolutamente estranho aos fatos, não conhecendo nenhuma das pessoas eventualmente envolvidas nas denúncias, excluso o senhor arcebispo. Coube ao próprio Vaticano enviar um bispo com a missão específica de recolher depoimentos e inquirir os fatos”, explicou.

De acordo com a Rede Globo, no entanto, a missão apostólica do Vaticano para investigar o caso só esteve em Belém mais de um ano depois da Igreja receber a denúncia, em dezembro de 2020, após a reportagem entrar em contato com a Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) e pedir um posicionamento sobre o caso —desde agosto de 2020, as denúncias já eram investigadas pela polícia e pelo MP. À CNN Brasil, a CNBB afirmou em nota que espera que os fatos sejam esclarecidos.

Antes de o EL PAÍS revelar detalhes do caso, diversos integrantes da Igreja Católica manifestaram apoio ao arcebispo de Belém nas redes sociais, após ele mesmo revelar que era investigado (sem no entanto contar o motivo). Figuras como o padre Marcelo Rossi e o padre Fábio de Melo publicaram mensagens de apoio nas redes sociais.

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