Aumenta a tensão entre autoridades e grupos feministas no México

by @prflavionunes

As brigas de rua e a ocupação de instituições do Governo federal e da capital mexicana nos últimos dias por combativos grupos feministas culminaram em um contra-ataque do poder público. Nesta segunda-feira, a chefa do Governo local (prefeita), Claudia Sheinbaum, compareceu diante da imprensa para desmascarar uma executiva da empresa Gin Group que, segundo ela, financia a ocupação da sede da Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH), realizada em 19 de setembro por ativistas que lutam contra o feminicídio e a desaparição forçada no México. O Governo federal também partiu para o ataque, acusando ativistas radicais de cobrar de outras mulheres vítimas de violência de gênero até 3.000 pesos para levá-las a serviços de assistência prestados gratuitamente pelo Estado.

A reação do Estado acontece após o choque entre as manifestantes das marchas em favor do aborto, realizadas nesta segunda-feira, e policiais nas ruas do centro da capital mexicana. Grupos feministas enfrentaram a polícia que as impedia de avançar, o que resultou em agentes feridos, fogueiras e lançamento de bombas de fumaça. Como em outras ocasiões, essas passeatas, lideradas por jovens vestidas de preto, que não se furtam em recorrer à força para se fazer ouvir, terminaram em confrontos com as forças de segurança e contra os homens da mídia que cobrem os protestos.

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A prefeita Claudia Sheinbaum acusou María Beatriz Gasca Acevedo, vice-presidenta de Recursos Humanos da empresa Gin Group, de financiar as ativistas que assumiram o comando da CNDH, onde uma dezena de militantes ainda permanece. Sheinbaum disse que a executiva é uma mulher de “altos recursos econômicos”, que foi vista em um carro de luxo distribuindo alimentos para as mulheres da ocupação, e a acusou de facilitar o leilão das pinturas tomadas na instituição.

Sheinbaum também mencionou que o Gin Group tem entre seus funcionários dois ex-altos funcionários do Governo de Enrique Peña Nieto, como Javier Treviño Cantú, que foi subsecretário de Educação, e Rolando Zubirán Robert, então diretor geral dos Setores Estratégicos. A chefa do Governo da capital questionou as ligações entre a empresa terceirização de recursos humanos ―investigada por fraude na venda de notas fiscais falsas e sonegação fiscal― e os últimos protestos feministas.

Após a acusação de Sheinbaum, Acevedo foi imediatamente afastada de suas funções na empresa. A executiva divulgou uma carta na qual reconhece ter levado suprimentos para feministas e ter pedido a intervenção das administrações em todos os níveis para erradicar a violência contra as mulheres, demandas “legítimas e inadiáveis”. Ele não atendeu ao telefonema deste jornal, mas em sua nota desvinculou a empresa de seu ativismo feminista. “Meu trabalho, meu desempenho profissional e minhas conquistas profissionais não têm nada a ver com minhas convicções de mulher, com minha luta feminista nem com minha empatia pelas mães dos desaparecidos.”

A Cidade do México é um dos poucos estados do país que legalizaram o aborto, mas algumas manifestações nos últimos dias em frente ao Palácio Nacional esquentaram o clima político, já convulsionado desde a ocupação da sede do CNDH, uma iniciativa que quebrou a unidade de alguns grupos que participaram. As integrantes do Nenhuma a Menos acabaram saindo da sede alguns dias depois em razão de seus confrontos com o Bloco Negro, grupo de mulheres encapuzadas no qual também ocorreram fortes fissuras.

Pela manhã a diretora da Unidade de Apoio ao Sistema de Justiça, Paulina Téllez, acusou algumas dessas feministas de cobrar até 3.000 pesos de outras mulheres, que também foram vítimas de violência de gênero, para encaminhá-las aos serviços prestados pelo Governo de forma gratuita ou para fazer barulho para que seus casos ganhem visibilidade na mídia.

A Unidade de Apoio ao Sistema de Justiça foi criada no ano passado na Secretaria de Governo para assessorar e acompanhar as vítimas em seu percurso judicial, sem nenhum custo. “Sabemos que algumas das mulheres que cobraram delas estavam dentro da sede da CNDH e são as mesmas que ocupam hoje a cabine de pedágio em Tlalpan. Estávamos cientes de que elas estavam pedindo dinheiro porque algumas das vítimas desabafaram conosco durante o atendimentos e nos disseram que não sabiam como iriam pagar. Algumas estão sendo muito ameaçadas e estão assustadas. Quebra o nosso coração que algumas vítimas estejam extorquindo outras”, disse Téllez a este jornal.

A unidade que Téllez dirige vem atendendo nos últimos dias casos antigos, datados desde 2016, nos quais algumas vítimas nem haviam tido sequer acesso à investigação em andamento em seus processos judiciais. “Aqui escutamos todo mundo, é fácil, marcam a reunião e as escutamos. Na quinta-feira passada, passei seis horas ouvindo muitas vítimas. Não é verdade que para isso tenham de recorrer à violência. Não limito sua forma de expressão, mas acho que há coisas desnecessárias”, disse Téllez, referindo-se a alguns episódios de violência durante os protestos. “Nessas reuniões percebe-se claramente quem vem para ser atendido e quem só quer chamar a atenção. Estamos ajudando pessoas que há anos não eram atendidas por nenhuma autoridade em nenhum nível”, acrescentou.

A Comissão Nacional para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres (Conavim) concedeu alojamento em sua rede de abrigos a cerca de 60 pessoas que haviam participado da tomada da CNDH. Fabiola Alanís, presidenta da Conavim, disse que as reivindicações dessas ativistas já vinham sendo atendidas há muito tempo e que o caso da libertação da estudante Tânia Elis, que também era um pedido do movumento, foi resolvido com sucesso. A estudante, libertada na sexta-feira passada, estava detida desde março por supostamente liderar protestos que levaram a incêndios e destruição dentro da Faculdade de Estudos Superiores (FES) Acatlán da UNAM. “Foi um caso muito emotivo”, disse Alanís.

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