Maduro assume o controle do Parlamento e intensifica rumos do chavismo na Venezuela

by @prflavionunes

A Venezuela vive uma campanha eleitoral permanente desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999. O argumento central do falecido presidente e depois do Governo de Nicolás Maduro para defender sua permanência no poder apesar de todas as pressões sempre teve relação com a aprovação popular em 22 das 24 eleições realizadas em pouco mais de 20 anos. Neste domingo, os eleitores estavam convocados novamente às urnas para renovar a Assembleia Nacional, no que representou o enésimo triunfo do chavismo, que competia sem rivais reais. O presidente proclamou a vitória pouco antes das 2h (hora local, 3h em Brasília). Mas, como nas eleições anteriores, esta também continha um paradoxo. Em lugar de dirimir uma disputa política, a votação evidenciou uma fratura institucional e sobretudo social, aprofundando a distância entre o regime bolivariano e a maioria da oposição, que se recusou a participar devido às acusações de fraude.

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Ainda faltando a divulgação dos dados final da apuração e da abstenção —que segundo as pesquisas deve passar de 70%—, o pleito marca o início de uma nova fase na grave crise do país sul-americano. Os partidos que apoiam Juan Guaidó, atual presidente da Assembleia e reconhecido como presidente interino do país por mais de 60 países, inevitavelmente perderão o controle do Parlamento, que dominavam desde as eleições legislativas de 2015. O líder oposicionista lançou em janeiro de 2019 seu desafio a Maduro proclamando-se chefe de Estado interino justamente em virtude de seu cargo de chefe da Assembleia Nacional. Como tal obteve o reconhecimento de mais de 60 países, com Estados Unidos e Colômbia à frente. Entretanto, esse efeito, que já tinha uma carga principalmente simbólica, desaparecerá também do ponto de vista institucional em 5 de janeiro, quando tomarem posse os deputados eleitos neste domingo. Entre eles não havia nenhum dirigente antichavista com capacidade para competir com a coalizão encabeçada pelo Partido Socialista Unida da Venezuela (PSUV). Uma pequena parte da oposição, no entanto, chegou a um acordo com o Governo e decidiu concorrer, diferentemente dos partidários de Guaidó, que não confiavam no árbitro, o Conselho Nacional Eleitoral, cujas formações foram alvo de intervenções, cassações e perseguições por parte do Tribunal Supremo.

“Nasce uma nova Assembleia Nacional, nasce uma nova esperança, uma grande mudança, e eu me ponho a serviço dessa nova Assembleia Nacional, vem muito trabalho por aí”, proclamou Maduro em uma entrevista coletiva durante o dia. “Foram cinco anos nefastos, de fracasso. Eles pediram e trouxeram as sanções econômicas”, disparou o mandatário, que responsabilizou abertamente Guaidó e os ex-presidentes do Parlamento Julio Borges e Henry Ramos Allup. “Os responsáveis pelo fracasso têm nomes, sobrenomes e rostos”, insistiu. Mas se estas eleições representam uma vitória para o chavismo, mais uma, o fato de ela ter acontecido está longe de resolver o problema de fundo. A sociedade venezuelana não está apenas polarizada ou dividida. A fissura vai muito além, e a desconfiança nos representantes políticos atinge tanto o Governo como a oposição, conforme demonstrou recentemente o instituto de pesquisas Datanálisis. A insatisfação é provavelmente uns dos sentimentos mais transversais na Venezuela.

A isso se soma uma profunda emergência econômica que o regime talvez consiga maquiar em alguns setores de Caracas, para dar uma imagem favorável a quem chegue de fora. Mas essa bolha, inflada nos últimos dias pela reativação das atividades comerciais, é uma ilusão óptica. E o desalento era palpável neste domingo eleitoral. Tanto que, durante a tarde, as autoridades tiveram que improvisar uma ampliação do horário de votação para tentar reverter a elevada desmobilização. Pouco antes da meia-noite, Guaidó acusou o Governo de “fabricar resultados”. “Agora sabem que está em xeque até seu esquema de controle social. Muitos não caíram na chantagem e na mentira”, declarou.

Pouco antes, o líder opositor —que reivindica a realização de eleições presidenciais com garantias e de observação internacional plena— dirigiu-se a seus seguidores dizendo que “apesar da censura e hegemonia comunicacional, a verdade não pode ser ocultada: a maioria da Venezuela deu as costas a Maduro e à sua fraude que começou meses atrás”. O Governo, acrescentou, “perdeu todo o apoio popular”. “Os que desejamos mudança na Venezuela somos uma ampla maioria. Por isso não se atrevem a convocar eleições livres. Por isso têm que controlar o árbitro, escolher seus competidores, negar a observação internacional, extorquir a um povo com fome, com necessidade, dizendo que ‘quem não vota, não come’”, prosseguiu, em referência a declarações de Diosdado Cabello, número dois do chavismo e candidato à Assembleia Nacional, durante a campanha.

Maduro falou quando as urnas ainda estavam abertas, mas, contrariando seu costume, demorou a se pronunciar após o fechamento das seções. Embora a cúpula do regime tenha mostrado desinteresse pelas pressões internacionais, todos aguardavam as primeiras reações. “Somos teimosos e não puderam nem poderão conosco”, tinha enfatizado o sucessor de Hugo Chávez, em referência às sanções ao setor petroleiro.

Nem a Administração de Donald Trump, principal protetora de Guaidó, conseguiu resultados reais em seus esforços para derrubar o Governo venezuelano. Tampouco as tentativas de diálogo ensaiadas pela União Europeia e a Noruega frutificaram. Mas os líderes chavistas sabem, por outro lado, que precisam de outros interlocutores internacionais além da Rússia, Irã, Turquia e China, seus aliados habituais. José Luis Rodríguez Zapatero, ex-primeiro-ministro espanhol que participou de uma missão de observação, pediu a Bruxelas que reconsidere sua decisão de não reconhecer o novo Parlamento e faça uma reflexão sobre as sanções. O chavismo espera que, apesar de tudo, a Europa relaxe as pressões e que a próxima Administração norte-americana de Joe Biden mude de estratégia. Se não fizerem isso, continuará resistindo como até agora. Mas o conflito vai além: a Venezuela está fraturada, nas instituições e nas ruas. E a recomposição de um país onde possam se dar as condições para uma competição eleitoral normal ainda não está no horizonte.

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