Mais de 90 mortos nos protestos de Mianmar depois que militares ameaçaram atirar na cabeça

by @prflavionunes

As forças de segurança de Mianmar cumpriram sua ameaça de atirar “pelas costas e na cabeça” dos manifestantes se continuassem desafiando sua autoridade nos protestos que crescem desde o golpe de Estado de 1º de fevereiro. A advertência, feita na sexta-feira, concretizou-se neste sábado em um dos mais ferozes dias de repressão contra os participantes dos atos convocados em pelo menos 40 cidades do país, com um saldo de mais de 90 mortos —entre eles, uma criança de cinco anos— pelos ataques da polícia e dos militares, segundo a agência de notícias independente Mianmar Now. Ao mesmo tempo, a junta militar celebrava o Dia das Forças Armadas com um desfile na capital, Naypayidaw, ignorado amplamente pela comunidade internacional, exceto por países como a Rússia.

As Forças Armadas chegaram neste sábado a um ponto de delírio. Enquanto seu comandante em chefe, Min Aung Hlaing, líder do golpe, prometia em um discurso de 30 minutos feito por ocasião da efeméride militar —o 76º aniversário da revolta contra a ocupação japonesa em 1945— que o Exército “protegeria o povo de Mianmar e defenderia a democracia”, viviam-se cenas similares às de uma guerra por todo o país. Cumprindo a advertência feita na sexta-feira pelos militares, soldados e policiais atiraram para matar contra os manifestantes em dezenas de cidades, entre elas as principais, Rangum e Mandalay, mas também em localidades remotas, como mostraram imagens divulgadas pela mídia local e por cidadãos nas redes sociais.

Um vídeo dilacerante mostra um pai gritando desconsolado que mataram seu filho, enquanto o carrega nos braços dentro de um carro; a fotografia de um bebê de apenas um ano com um olho ensanguentado após ser atingido por uma bala de borracha quando estava em sua casa em Rangum também causou indignação. Uma criança de cinco anos está entre os 29 mortos, pelo menos, deste sábado em Mandalay, a segunda maior cidade do país. Mais 24 pessoas morreram na capital comercial, Rangum, além de dezenas em várias outras cidades de todo o país, segundo veículos de comunicação locais, como Mianmar Now.

As equipes de emergência e resgate preveem que o número de mortos aumente nas próximas horas, depois de um dia em que dezenas de milhares de pessoas voltaram a sair às ruas para protestar contra os golpistas, apesar das ameaças da junta militar transmitidas na véspera pela rede estatal MRTV.

Com as últimas vítimas, o número de civis mortos desde o golpe de fevereiro passa de 400, segundo a Associação de Assistência aos Presos Políticos de Mianmar. Um manifestante, Thu Ya Zaw, denunciou na cidade central de Myingyan: “Estão nos matando como frangos, até mesmo dentro de nossas próprias casas”, informou a Reuters. “Vamos continuar protestando, apesar de tudo. Lutaremos até que a junta militar caia”, acrescentou.

Militares espancam homem caído em uma rua de Sanchaung neste sábado.
Militares espancam homem caído em uma rua de Sanchaung neste sábado. VIDEO OBTAINED BY REUTERS / Reuters

Em um discurso televisionado, o general Min Aung Hlaing afirmou que as autoridades buscam restaurar a paz no país, perdida desde o golpe —que pôs fim a 10 anos de transição democrática e impediu a posse do novo Parlamento, liderado pela Liga Nacional para a Democracia (NLD, na sigla em inglês), de Aung San Suu Kyi, ganhadora das eleições de novembro. Suu Kyi está presa desde então. “O Exército quer estender a mão a toda a população e proteger a democracia.”

“Hoje é o dia da vergonha para as Forças Armadas”, denunciou por sua vez Dr Sasa, porta-voz do Comitê para a Representação da União Parlamentar (CRPH, na sigla em inglês), o autoproclamado Governo civil mianmarense. Formado por deputados da NLD ainda em liberdade, o comitê tenta ser reconhecido como representante legítimo de Mianmar pela comunidade internacional. O Movimento de Desobediência Civil, outro grupo de oposição ao golpe, recebeu um apoio simbólico na sexta-feira, ao ser indicado por um comitê de acadêmicos noruegueses para o Nobel da Paz, que já foi concedido a Suu Kyi em 1991.

Cartuchos de balas disparadas durante os protestos neste sábado.
Cartuchos de balas disparadas durante os protestos neste sábado. HANDOUT / AFP

Embora a maioria dos países não tenha enviado ninguém para o desfile militar, segundo o Asia Nikkei, Rússia, China, Índia, Paquistão, Bangladesh, Vietnã, Laos e Tailândia mandaram representantes. “A Rússia é um amigo de verdade”, elogiou neste sábado Min Aung Hlaing. Moscou enviou seu vice-ministro da Defesa, Alexander Fomin, para o desfile. A maioria das guerrilhas étnicas também rejeitou o convite para participar do evento. Um desses grupos, a União Nacional Karen, que combate o Tatmadaw —como é conhecido o Exército de Mianmar— há décadas, anunciou ter atacado um posto militar do país perto da fronteira com a Tailândia, matando 10 membros do Exército.

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