“Queremos que seja lei na Argentina para que mais nenhuma mulher morra por aborto clandestino”

by @prflavionunes

A Argentina se mobiliza em massa nas ruas quando uma lei importante está em jogo. E nenhuma gerou tanta expectativa neste 2020 quanto a de interrupção voluntária da gravidez que o Senado argentino vota nesta terça-feira. Horas antes do início da histórica sessão, no lado norte da praça em frente ao Congresso, já se viam lenços verdes a favor do aborto legal, seguro e gratuito amarrados a pulsos, pescoços, como bandana, em mochilas, grades, postes de luz e em todos os lugares possíveis. Dezenas de pessoas esperam impacientes ao sol cantando “Aborto legal no hospital”. Com o passar dos minutos, são cada vez mais. Do outro lado das cercas, no lado sul, um grupo de católicos reza para pedir que os senadores rejeitem a legalização do aborto. Um cartaz em que aparece um feto gigante ensanguentado avisa aos legisladores que suas mãos ficarão “manchadas com o sangue de inocentes” se aprovarem o projeto de lei.

A iniciativa, aprovada na Câmara dos Deputados há duas semanas, prevê que as gestantes tenham acesso ao aborto legal até a 14ª semana, mediante a assinatura de um termo de consentimento. Também estipula um prazo máximo de dez dias entre a solicitação de interrupção da gravidez e sua realização, com o fim de de evitar manobras que retardem o aborto até evitá-lo.

Ao contrário da Câmara Baixa, onde a aprovação era dada como certa, o resultado no Senado, mais conservador, é incerto. Há dois anos, a Câmara Alta rejeitou a lei e hoje os números são muito parecidos, o que deixa tudo nas mãos de um punhado de indecisos. Entre aqueles que anteciparam o voto há uma grande brecha de gênero: há pelo menos 16 mulheres a favor e 9 contra. Entre seus colegas homens, há até o momento 16 a favor e 24 contra. Nas províncias do norte do país, as mais católicas, a maioria dos legisladores se opõe. Na capital argentina e na província de Buenos Aires, por outro lado, quase todos os representantes são partidários da legalização.

Em caso de empate, a presidenta do Senado, a ex-presidenta da República Cristina Fernández de Kirchner, decidirá. Ela foi contra durante quase toda a sua carreira política, mas em 2018 votou a favor, convencida pela filha, Florencia, e pelas alunas do ensino médio que lideraram as manifestações da maré verde. A atual vice-presidenta argentina deu início à sessão minutos depois das 16h. Se os oradores respeitarem o tempo previsto, a votação acontecerá por volta das 4h da manhã, mas muito provavelmente atrasará ao menos uma hora.

“Queremos que seja lei para que mais nenhuma mulher morra por aborto clandestino. Por María Campos. Por Liliana. Por Elizabeth. Por Rupercia. Por Paulina. Por Rosario. Pelas mais de 3.000 mulheres que morreram por abortos clandestinos desde o retorno da democracia”, afirma Jimena López, de 27 anos, com um cartaz que diz “Aborto legal é justiça social”.

A legislação atual permite a interrupção da gravidez em caso de estupro ou de risco à vida ou à saúde da mãe. Em todos os outros casos, é um crime punível com prisão. Ainda assim, a criminalização não é dissuasiva: de acordo com estimativas extraoficiais, até meio milhão de mulheres fazem abortos clandestinos todos os anos. Em 2018, 38 mulheres morreram por complicações médicas decorrentes de abortos inseguros. Cerca de 39.000 tiveram de ser hospitalizadas pela mesma causa.

“Estamos fazendo 120 vigílias em nível federal em todo o país para pedir ao Senado que, desta vez, ouça uma demanda que tem com os direitos humanos, com a saúde pública e a justiça social”, exige Mariángeles Guerrero, integrante da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito. Ela afirma que da votação anterior até agora houve uma descriminalização social do aborto. “Em 2018 não conseguimos a lei, mas conscientizamos a população em relação a um problema: hoje há mulheres que abortam em condições precárias e insalubres. O aborto deixou de ser um assunto tabu que se falava em voz baixa e passou a ser um assunto que precisava ser debatido politicamente para garantir condições seguras para a realização desses abortos”, acrescenta. O Senado decide dentro de algumas horas se aprova ou rejeita outra vez essa lei.

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