Corte dos juros para 2% ainda pode dar algum impulso à economia este ano, dizem especialistas

by @prflavionunes

SÃO PAULO — Mesmo tendo sido um corte residual, numa taxa de juros que já estava historicamente baixa, economistas consultados pelo GLOBO avaliam que a decisão do Banco Central de reduzir a taxa básica de juros, a Selic,  para 2%  ainda vai gerar algum tipo de estímulo à economia este ano.

Com expectativa de uma retração do PIB de até 6% em 2020, reflexo da pandemia de Covid-19, os juros baixos tendem a estimular o consumo e os investimentos. Além disso, quando se considera a taxa real de juros, o país agora está no terreno negativo, uma situação completamente inédita, num país acostumado a aparecer entre as nações com os juros básicos mais altos do planeta.

— A economia ainda está refletindo os efeitos de cortes anteriores, considerando que o impacto da queda de juros demora de 6 a 9 meses para chegar à atividade econômica. E, pela primeira vez com estabilidade da economia, teremos juros negativos no Brasil, algo que desconhecemos. E esse cenário, deve prevalecer em 2021, já que a expectativa de inflação é de 3% — diz o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani.

Para ele, haverá um efeito poderoso de estímulo à economia, principalmente para setores como mercado imobiliário, construção civil, bens duráveis e de capitais, que reagem intensamente ao afrouxamento monetário.

Padovani avalia o ciclo de queda de juros está encerrado. Mesmo assim, se o cenário econômico permitir, o BC ainda poderia reduzir um pouco mais a Selic. A inflação comportada este ano e a expectativa de que o IPCA em 2021, 2022, 2023 e 2024, no pior cenário, fique dentro da meta permitiria à autoridade monetária cortar juros com tranquilidade.

—Mas existe uma preocupação com a questão fiscal. Se o governo prorrogar o auxílio emergencial ou ampliar gastos em 2021, extinguindo o teto, a dívida pública pode subir ainda mais e há risco de o Brasil se tornar insolvente com taxa de juros muita baixas. Portanto, o BC vai esperar um pouco — acredita Padovani.

Reformas no radar 

O coordenador dos cursos de pós-graduação da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), instituição ligada à FEA-USP, Estevão Garcia, avalia que o ciclo de queda da Selic chega ao final e à medida que a economia brasileira comece a se recuperar dos efeitos da pandemia de Covid-19 e volte a crescer, a Selic deve subir um pouco. Mas isso não deve acontecer antes do primeiro trimestre de 2021.

Para Garcia, mesmo com o país tendo experimentado quedas de juros para os níveis mais baixos da história, nos últimos meses, a nova redução ainda gera estímulo, especialmente num período em que a atividade econômica está pressionada pelos efeitos da pandemia.

—Estimula o consumo e o investimento, faz os bancos baixarem juros e para o governo alivia o pagamento dos juros dos títulos da dívida num momento em que haverá crescimento dessa dívida. Baixar juros é uma estratégia que tem efeito — avalia Garcia.

Foi o nono corte consecutivo na taxa Selic, que chega ao menor patamar desde 1999, quando entrou em vigor o regime de metas para a inflação.

Juros baixos tendem a afastar investidores que traziam dólares para ganhar com as altas taxas de juros brasileiras, numa operação chamada de ‘carry trade’. Mas, para Garcia, não haverá impacto maior sobre o dólar, que deve continuar oscilando no patamar entre R$ 5 e R$ 5,40.

Atenção para quadro fiscal 

— A taxa básica de juros já está em um patamar baixo, que não irá influenciar na entrada ou saída dos investidores estrangeiros. O que vai impactar esse movimento é a aprovação das reformas que estão no Congresso, como a Reforma Tributária, que pode trazer maior segurança jurídica para os investidores —diz.

Para Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, a queda da Selic para 2% ajuda a recuperar a economia, mas é menos eficaz neste momento. Para ele, há outros fatores importante que ajudam na retomada do crescimento. Entre eles a continuidade da agenda de reformas, a melhora da situação fiscal e a recuperação da economia mundial.

—No nosso entendimento, o BC já poderia ter encerrado o ciclo de queda de juros em 2,25% ao ano. Mas a autoridade monetária sinalizou que haveria ainda um ajuste residual na reunião passada. Não é esse ajuste que vai sozinho trazer a retomada da economia. É preciso resolver a questão fiscal, caminhar com a agenda de reformas e esperar a recuperação da economia mundial — diz Campos Neto.

Para a corretora BGC Liquidez, ainda existe um cenário de incerteza acima do usual, muito por conta da pandemia do novo coronavírus também por possíveis flexibilizações do teto de gastos do governo.

— Para o investidor, o corte na Selic aponta uma continuação no fluxo de transição da renda fixa para a variável, com um alto apetite de risco. Porém, ações que afetem o fiscal para pior poderiam influenciar os preços dos ativos e o mercado — avalia Erminio Lucci, presidente da BGC Liquidez.

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