De porcos, porquinhos e porcões

by @prflavionunes

Afonso Barroso*

O escritor norte-americano Ellis Parker Butler, tão bom como seus contemporâneos Mark Twain, Scott Fitzgerald e Edgar Rice Burroughs, entre outros, escreveu um conto muito interessante com o título Porcos são porcos. É a história de um senhor que importou um casal de porquinhos, ou indian pets, e quando foi retirá-los da alfândega de bichos deparou com um problema. O chefe da estação ferroviária exigia o pagamento de taxa referente a porcos comuns. O homem recusou-se a pagar, alegando que aqueles não eram porcos como os outros, mas bichinhos de estimação, para os quais a taxa de retirada era menor.

O impasse levou o importador dos porquinhos a ir embora danado da vida, mas disposto a levar o problema ao conhecimento da direção da ferrovia. Levou. O superior hierárquico do chefe da estação exigiu que explicasse a razão da cobrança da taxa. O funcionário disse que não há distinção entre porcos e porcos. O assunto foi levado ao superior do superior, depois ao chefe da fiscalização, depois ao superintendente, que resolveu consultar um especialista em porcos para saber se os porquinhos pertenciam ou não à categoria dos porcos comuns. Já haviam se passado mais de dois meses, e o tal especialista estava em missão num outro país, o que resultou em mais três meses para chegar até ele a correspondência. (Nota do leitor: a história se passa no século XIX).

Enquanto isso, o casal de porquinhos não perdeu tempo. Foi se reproduzindo de maneira descontrolada, em escala muito superior à de coelhos. E a cada semana nasciam mais porquinhos. O fiscal cuidava deles, porque não tinha espírito de porco e não iria deixá-los sem a devida assistência. Também não podia vendê-los, porque não lhe pertenciam.

O resumo da história é que os porquinhos foram se multiplicando de forma absurda e logo já eram centenas, que o zeloso funcionário abrigava em caixas e mais caixas nos pátios da estação. Davam enorme trabalho e despesa, mas no final das contas ele sentiu uma espécie de alívio ou consolo. Teria sido muito pior, raciocinou, se em vez de porcos, os animais que tivesse de guardar e alimentar fossem, por exemplo, elefantes ou hipopótamos.

Lembrei-me, ao reler o conto de Butler, de outras tantas histórias de porcos e porquinhos na literatura infantil. Tem a do leitão e o rabanete, do porco de nariz comprido, da porquinha que namorou um porco-espinho, entre outras, e o famoso conto dos três porquinhos perseguidos pelo lobo mau.

Aí me vejo, na sequência, a refletir sobre como o porco é um animal desprezado e maltratado no consciente coletivo. Chamam de porco o sujeito tendente a sugismundo. Emporcalhar é o mesmo que sujar. Porcaria é coisa ruim, sem valor. Estudiosos da suinocultura condenam essa associação de porco com sujeira. Chegam a dizer que porcos são animais extremamente asseados e inteligentes, mais até do que os cães, o que não confere com a sabedoria popular.

Que me perdoe a ciência, mas fico com a sabedoria popular. Para mim, são desprezíveis aquelas pessoas que a gente diz terem “espírito de porco” por serem sempre inconvenientes e não terem noção do ridículo ou do nefasto. Infelizmente, este nosso país está cheio de gente assim, que se dedica a emporcalhar a política e chafurdar no lamaçal da subserviência, do fanatismo, da intolerância e da corrupção. São os suínos assentados na periferia e mesmo nas entranhas do poder.

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